3. O Norte Fluminense: as ocupações e os enfrentamentos
“Somente em meados dos anos 90 a luta pela terra e pela reforma agrária recupera
forças. Esse renascimento não se deu apenas pela retomada das ocupações, mas na
busca dos assentados por melhores condições de vida, na luta pela produção e
comercialização. É nessa última fase que se observa uma interiorização das ocupações de terras no estado, se deslocando principalmente para a Região Norte onde se concentra o setor agroindustrial do açúcar e do álcool e as maiores áreas passíveis de desapropriação para fins de reforma agrária. Nesse período também se consolida a postura de alguns Sindicatos de Trabalhadores Rurais filiados à Fetag (Federação dos Trabalhadores da Agricultura do Estado do Rio de Janeiro) em organizar ocupações de terras. Esse fato marca uma reorientação política da Contag (Confederação Nacional dos Trabalhadores da Agricultura), sempre voltada para as pressões institucionais como principal forma de luta pela terra, ao contrário do MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra) que sempre privilegiou esse tipo de ação política” (ALEIXO, 2007).
“As reuniões aconteciam em sindicatos, Igrejas e quadras de esporte das redondezas. Aos poucos o grito: ocupar, resistir, produzir, era ouvido em mais e mais lugares. Os primeiros resultados eram colhidos, bastava ver o interesse de todos durante as discussões. A primeira ocupação (no coração da Região Canavieira) se deu na Usina São João, aquela lá de Campos, abandonada depois da crise do álcool. Cerca de 200 famílias, na madrugada do dia 12 de abril de 1997 acamparam. Na montagem das barracas era possível ver gente simples, vinda das favelas de Campos, outros bairros da mesma cidade como Aldeia, Travessão, Fundão e Santa Rosa. E também de municípios vizinhos como: Macaé, Rio das Ostras, Casimiro de Abreu, Silva Jardim e Conceição de Macabu. Todos juntos, na cara e na coragem, fazendo acontecer a ocupação” (extraído da cartilha Zumbi 5, 2006).
Fotos 3 y 4: Ato pela Reforma Agrária - Conceição de Macabu/RJ -1996
O cenário de expropriação de trabalhadores e camponeses no Norte Fluminense até a década de 1990 irá aprofundar o quadro de desigualdades tão marcante na região, especialmente a explosão do desemprego com a falência de várias usinas. A massa de precarizados, mal empregados, sub empregados e desempregados, famílias inteiras vivendo em periferias urbanas, em distritos rurais e vilas, em barracos ou em condições degradantes irão fazer parte deste processo. Muitas delas, que passaram pelo trabalho na cana, estavam ainda sem receber seus direitos, sobretudo os salários. Em alguns casos, como em Novo Horizonte, os trabalhadores ficaram 3 anos com salário atrasado, sem receber um centavo da usina.
Apesar da tentativa dos Sindicatos em minimizar este cenário de precarização, a luta pela reforma agrária ainda era uma pauta marginal no movimiento sindical. É que a mediação política e jurídica dos Sindicatos nos conflitos se fazia essencialmente por uma pauta trabalhista, preocupada com a “reivindicação da terra como forma legítima de pagamento dos salários e direitos devidos pela usina aos seus ex-trabalhadores rurais” (ALMEIDA, 2000), o que, segundo NEVES (1997) deixa claro que “o acesso à terra de propriedade da usina e a reação coletiva de trabalhadores diante da extinção de usinas nessa região eram impensados e até então, impensáveis”, ou seja o enfrentamento do latifúndio, por meio das ocupações coletivas de terra era uma tática inexistente e não fazia parte da agenda do movimento sindical.
Mas a crise das usinas e a expressiva quantidade de terras ociosas e improdutivas irá mudar, a partir da década de 1990 a tática dos trabalhadores. Cresce em toda a região canavieira a reivindicação pela reforma agrária e pela democratização da terra, o que no limite muda o sentido dos conflitos agrários na região para aqueles expropriados e precarizados durante anos. Um amplo movimento de interiorização das ocupações em terras de usinas organizadas pelos trabalhadores passa a ser o centro do debate agrário que se deflagra na região e no estado, mudando radicalmente a história de dominação e violência do mundo canavieiro na vida de centenas de famílias. O retorno do MST ao Rio de Janeiro, no início dos anos 1990 “após a fracassada tentativa de se organizar no estado nos anos 1980; e a mudança de tática por parte da FETAG/RJ que, depois de manter uma linha legalista durante os anos 1980 e 1990 e criticar as ocupações de terra no estado por contarem em sua maioria com trabalhadores oriundos do meio urbano, passa a promover ocupações a partir de 1999, arregimentando inclusive trabalhadores residentes nas periferias de cidades do interior” (ALENTEJANO, 2008)
Deu-se inicío a um período, que vai de 1996 a 2006 de intensos conflitos pela terra e a abertura de várias frentes de ocupação de fazendas e terras abandonadas e improdutivas das usinas, protagonizadas pelo MST, num primeiro momento e pela FETAG, posteriormente juntamente da organização, mobilização e agregação de trabalhadores rurais e precarizados variados da cidade, assalariados, moradores de periferia, ex colonos e trabalhadores temporários.
Foto 5: Instalações abandonadas da Usina São João, Campos dos Goytacazes
Foto 6: Casas de Colono Ocupadas pelo MST, Usina São João. (Fotos: Ana Paula Alves Ribeiro)