Mapa 2: Distribuição espacial dos conflitos pela terra no Estado do Rio de Janeiro no início da década de 1990. (Fonte: ALENTEJANO, 2008)
Mapa 3: Distribuição espacial dos conflitos pela terra no Estado do Rio de Janeiro no início da década de 2000. (Fonte: ALENTEJANO, 2008)
As primeiras ocupações de terras de usina no estado, ocorreram na periferia da região canavieira, e durante um tempo, se limitaram aos municípios de Macaé e Conceição de Macabu. Neste último, a criação do Assentamento São Domingos, constituído no contexto de redemocratização do país no final da década de 1980 sobre as terras da Fundação Estadual do Bem Estar do Menor irá mudar a correlação de forças favoravel à reforma agrária no municipio e região (ALEIXO, 2007). Esta experiência possibilitou aglutinar trabalhadores de vários cantos do municipio, encourajou a todos na luta pela terra e serviu de referência para os trabalhos de base e reuniões preparatórias que antecederam as demais ocupações de terra na região.
A articulação política promovida pelos assentados de São Domingos, juntamente de outros grupos, como a Comissão Pastoral da Terra, ONGs, Sindicatos, movimentos sociais, como o MST e demais trabalhadores vindos de outras ocupações, como a de Cambucaes, em Silva Jardim, foi constituindo uma ampla rede de apoio e solidariedade, política e material, que se desdobrou na ocupação das fazendas Capelinha I e II na madrugada chuvosa de 28 de junho de 1996, com cerca de 160 pessoas (IDEM). As terras de Capelinha – terras férteis de várzea – pertenciam a fálida Usina Victor Sense, que fechou as portas em 1993, provocando uma trajédia social no municipio de Conceição, com mais de 3 mil desempregados. A ocupação de Capelinha reabriu e renovou o horizonte de esperança para várias famílias, pois não “parava de chegar pessoas dos mais variados recantos de Conceição de Macabu, Silva Jardim, Santa Maria Madalena e Macaé dentre outros municípios, para fazer parte da ocupação da fazenda Capelinha. O boato já havia se espalhado pela região e muitos empregados chegaram a largar seus respectivos empregos em fazendas de gado, no corte da cana ou em biscates nas cidades para fazer parte do acampamento de sem terra. Após os três primeiros dias calculava-se que havia 190 famílias, ao final de uma semana já eram 250 famílias e duas semanas após, segundo Relatório Social do STR (1996), havia 1.005 pessoas” (IDEM).
A ocupação de Capelinha revelou a força acumulada pelos trabalhadores e pela rede de apoiadores, pois “a desapropriação das fazendas foi decretada pelo Incra três meses após, no dia 23 de setembro de 1996, ocasião em que o organismo iniciou um processo de cadastramento das famílias então acampadas. A agilidade na desapropriação das fazendas foi significativa, tendo sido, inclusive, ressaltada pela imprensa do MST, segundo a qual este teria sido "o decreto de desapropriação de tramitação mais rápida que se tem notícia, não só no Rio como em todo o País" (MST-RJ, n° 6, set. 1996 apud ALEIXO, 2007).
Esta nova experiência coletiva protagonizada pelo MST e apoiadores, uma experiência onde a terra vai aparecer como objeto legítimo de disputa política dos trabalhadores irá ganhar capilaridade e atingir diretamente o centro hegemonico do poder sucroalcoeeiro. Em 12 de abril de 1997 a atuação do MST atingiu o coração da região, quando foram ocupadas as terras da Usina São João, situada a 7 km do centro de Campos dos Goytacazes e em janeiro de 1998 as terras da Usina Baixa Grande, na fazenda Marrecas, de propriedade de Fernando De La Riva, de origen cubana. A primeira delas deu origem ao maior assentamento de reforma agrária do estado, o Assentamento Zumbi dos Palmares, com mais de 8.000 hectares e cerca de 550 famílias assentadas; e a segunda aos Assentamento Che Guevara e Ilha Grande, em Baixa Grande, com mais de 110 famílias assentadas.
Estas e demais ocupações tiveram claro papel do MST na condução política, no trabalho de base, na organização de trabalhadores na cidade e na construção de táticas, práticas e sentidos para o novo “horizonte” que se abria com as ocupações. Mesmo sendo um “agente externo” à região, o MST soube reinterpretar as reivindicações locais, colocando a luta pela terra como um novo campo de possibilidades para a vida destes trabalhadores.
A importância das ocupações no coração da região, em Campos, foi motivando novas frentes de ocupação, não só naquele município, mas também a continuidade das ocupações nos municípios mais interioranos da região. Em 2003 e 2004, na microregião de Macaé, novas ocupações ocorreram nas terras ociosas da antiga e falida Usina Victor Sense (Fazenda São João em Conceição de Macabu) e da Usina de Carapebus (Fazenda Santo Antonio e Fazenda Boa Sorte, em Carapebus; e na Fazenda Cabinuas I e II, em Macaé). Estas ocupações atingiram uma área total de mais de 5.400 hectares e tiveram como saldo a criação dos Assentamentos Zé Pureza, 25 de Março, João Batista Soares e Prefeito Celso Daniel, respectivamente, todos eles organizados pela FETAG/RJ com o apoio dos Sindicatos locais. Cerca de 340 famílias foram assentadas pelo INCRA/RJ, após anos de acampamento nestas áreas.
Outras experiências de acesso a terra na região ocorreram de forma diferente e em paralelo à tática das ocupações. As fazendas Santo Amaro e Companhia, em Campos dos Goytacazes – que faziam parte do complexo extinto da Usina Novo Horizonte e que permaneceram ocultas e não consideradas na quitação das dívidas da massa falida da usina – e a fazenda São Fidélis, em São Fidélis foram terras pleiteadas pelos trabalhadores por meio do Programa de Reforma Agrária via correios promovido pelo governo federal em 2000. No primeiro caso, após anos de espera pela terra e a não efetivação da reforma agraria via inscrições pelos correios, os trabalhadores se sindicalizaram no Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Campos e ocuparam, em 2003 as margens da estrada que leva ao distrito de Morangaba (Rio Preto), como forma de forçar a desapropriação das Fazendas. Após dois anos, em novembro de 2005, o INCRA parcelou a área e efetivou a distribuição das terras a 40 famílias. Já no segundo caso, em São Fidélis, o programa via correios se consolidou pela primeira vez no estado e deu origem ao Assentamento São Fidélis, com 22 famílias distribuídas numa área de pouco mais de 600 hectares.
Ainda no Norte Fluminense, tem-se ainda a experiência de Tipity, no município de São Francisco do Itabapoana, envolvendo a desapropriação de um dos maiores empreendimentos da região. A Indústria de Farinha TIPITY, empreendimento inaugurado em janeiro de 1940 pelo Barão austríaco Ludwing Kummer, foi considerado um projeto ousado à época, e prosperou brevemente na região produzindo farinha de mandioca. Por pressão da sociedade em plena segunda guerra mundial, o projeto veio a falir, porém sua área foi desapropriada por decreto somente no dia 26 de junho de 1989, criando o Projeto de Assentamento Tipity por documento do INCRA de 14 de novembro de 1991, instituindo 148 lotes, situação que foi retificada em 31 de janeiro de 2005, ampliando-se para 203 o número de lotes familiares agrícolas reconhecidos pelo INCRA. Recentemente foi também criado no municipio de Macaé o primeio assentamento ambientalmente diferenciado do estado do Rio de Janeiro, o Projeto de Desenvolvimento Sustentável Osvaldo de Oliveira, nas antigas terras da Fazenda Bom Jardim. Antiga propriedade da empresa rádio Campos Difusora, a fazenda foi ocupada pelo MST em 2010, mas somente em fevereiro de 2014 o INCRA conseguiu imissão na posse para assentar 78 famílias numa área de 1.540 ha. Este assentamento foi o primeiro do estado a se inscrever no Cadastro Ambiental Rural (CAR) e deverá ter sistemas produtivos agroecológicos.
Foto 7: Ruínas da Fabrica TIPITY. Fonte: Mapa de Cultura RJ. Foto: Cris Isidoro / Diadorim Ideias
Foto 8: PDS Osvaldo de Oliveira, Macaé. Foto: Maria Amarela, MST-RJ
A área foi ocupada por cerca de 200 famílias organizadas pelo Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST) no dia 7 de setembro de 2010. Ao longo desse período, o local foi palco de diversos conflitos, entre os quais, quatro despejos de famílias acampadas, por ordem judicial. O mais violento aconteceu em 17 de novembro de 2010, quando a polícia exigiu que os acampados retirassem seus pertences em poucos minutos. Após saírem, os barracos foram incendiados. Nessa época começaram a discutir uma ocupação diferenciada da área, já que tinha inúmeras denúncias de desmatamento na fazenda e desrespeito ao meio ambiente. Com trabalho intenso de formação avançamos na proposta do PDS (Projeto de Desenvolvimento Sustentável). O PDS é uma modalidade de assentamento em alternativa ao modelo convencional, com uma proposta diferenciada de matriz de produção, agroecológica, e ocupação em harmonia com o meio ambiente, apropriação coletiva da terra e proteção da mata.
(Fonte: INCRA/RJ e MST-Rio)
Tabela 1: Balanço das ocupações de terra de usinas no Norte Fluminense – Decada de 1990 e 2000
Nº
|
USINA
|
FAZENDA
|
MUNICÍPIO
|
ANO
|
MOVIMENTO SOCIAL
|
DESAPROPRIADA (SIM OU NÃO)
|
ASSENTAMENTO OU ACAMPAMENTO
|
1
|
Santa Maria
|
Providência
|
Bom Jesus do Itabapoana
|
2002
|
MST
|
Não
|
São Roque
|
2
|
?
|
Santa Helena
|
Campos dos Goytacazes
|
|
Fetag
|
Não
|
Goytacazes
|
3
|
Baixa Grande
|
Marrecas
|
Campos dos Goytacazes
|
1998
|
MST
|
Sim
|
Che Guevara
|
4
|
Baixa Grande
|
Ilha Grande
|
Campos dos Goytacazes
|
1998
|
MST
|
Sim
|
Ilha Grande
|
5
|
Barcelos
|
São Cristovão
|
Campos dos Goytacazes
|
2008
|
MST
|
Não
|
17 de Abril
|
6
|
Cambaybha
|
Dores
|
Campos dos Goytacazes
|
2000
|
MST
|
Sim
|
Oziel Alves
|
7
|
Cambaybha
|
Mergulhão
|
Campos dos Goytacazes
|
2000
|
MST
|
Não
|
|
8
|
Cambaybha
|
Saquarema
|
Campos dos Goytacazes
|
2000
|
MST
|
Não
|
|
9
|
Cambaybha
|
Fazenda Fazendinha
|
Campos dos Goytacazes
|
2000
|
MST
|
Não
|
|
10
|
Cambaybha
|
Flora
|
Campos dos Goytacazes
|
2000
|
MST
|
Não
|
|
11
|
Cambaybha
|
Caetá
|
Campos dos Goytacazes
|
2002
|
MST
|
Não
|
|
12
|
Cambaybha
|
Cedros
|
Campos dos Goytacazes
|
2002
|
MST
|
Não
|
|
13
|
Santa Maria
|
Complexo Santa Maria
|
Campos dos Goytacazes
|
2001
|
MST
|
Não
|
|
14
|
Santa Maria
|
Santa Maria
|
Campos dos Goytacazes
|
2007
|
MST
|
Não
|
Eldorado dos Carajás
|
15
|
São João
|
|
Campos dos Goytacazes
|
1997
|
MST
|
Sim
|
Zumbi I
|
16
|
São João
|
|
Campos dos Goytacazes
|
1997
|
MST
|
Sim
|
Zumbi II
|
17
|
São João
|
|
Campos dos Goytacazes
|
1997
|
MST
|
Sim
|
Zumbi III
|
18
|
São João
|
Campelo
|
Campos dos Goytacazes
|
1997
|
MST
|
Sim
|
Zumbi IV
|
19
|
São João
|
Cajueiro
|
Campos dos Goytacazes
|
1997
|
MST
|
Sim
|
Zumbi V
|
20
|
Carapebus
|
Boa Sorte
|
Carapebus
|
|
Fetag
|
Sim
|
João Batista Soares
|
21
|
Carapebus
|
Santo Antonio
|
Conceição de Macabu
|
|
Fetag
|
Sim
|
25 de Março
|
22
|
Vitor Sense
|
São João
|
Conceição de Macabu
|
|
Fetag
|
Sim
|
José Pureza
|
23
|
Vitor Sense
|
Capelinha I e II
|
Conceição de Macabu
|
1996
|
MST
|
Sim
|
Capelinha
|
24
|
Carapebus
|
Cabiúnas I e II
|
Macaé
|
|
Fetag
|
Sim
|
Celso Daniel
|
25
|
Quissamã
|
Morro do Pilar
|
Quissamã
|
|
Fetag
|
Não
|
Paulo Freire
|
26
|
Quissamã
|
Atalaia
|
Quissamã
|
|
Fetag
|
Não
|
União da Conquista
|
27
|
Baixa Grande
|
Saco D’Antas
|
São João da Barra
|
1998
|
MST
|
Não
|
|