4. O Norte Fluminense: a vida nos assentamentos
Após anos de luta e organização dos trabalhadores frente ao poderio do setor sucroalcooeiro, fez-se festa, mudou-se a vida, abriram-se os horizontes. Agora, não mais como assalariados, amarrados pelo patrão, dominados e precarizados pela monocultura da cana, mas como sujeitos livres, portadores de terra e trabalho, donos de sua própria história, do seu presente e do seu futuro.
Os trabalhadores da região protagonizaram uma verdadeira primavera agrária no Norte Fluminense, ao que se deu origem aos mais diversos assentamentos da região, cerca de 24. Foram quase 31.500 hectares recuperados das usinas e destinados a novos usos. Foram mais de 2.200 famílias assentadas, moradias construídas, políticas públicas vividas, alimentos produzidos. As terras do Norte Fluminense voltaram a florir, depois de anos e anos sedentárias, com pouca ou nenhuma vida para além da cultura da cana.
Embora a conquista da terra não mudasse por inteiro o mundo de privações e estigmas tão marcantes na vida destas várias famílias e dos demais grupos envolvidos, a reforma agrária mudou para sempre a região. Da monodominância canavieira à produção diversificada de alimentos. Do desemprego estrutural ao trabalho autônomo e coletivo. Da dependência econômica à renda pluriativa. Da vida precária na cidade ao retorno para o campo. Do modelo convencional de agricultura para as práticas de transição agroecológica.
“Só saímos daqui mortos. Quando solto as minhas galinhas e os pintinhos e vejo as plantas crescendo, fico muito feliz” (Delma). “Estou alegre por ter conquistado a terra que eu sempre sonhei” (Vanda); “quando vou a Macaé não durmo, já aqui durmo tranquilo até com a porta aberta” (Amaro Jorge); “hoje estou plantando, colhendo, vendendo e doando” (Mario Nunes da Silva). “Hoje está 10 vezes melhor do que no acampamento, graças a Deus; já como do meu sítio. Melhorou, a gente pode respirar melhor. A alegria da gente é ter a terra, não ter patrão, acordar a hora que quer comer a hora que quer... Vende um aipim... Vende um queijo” (Assentados do PA Pref. Celso Daniel apud CEDRO, 2006).
Mapa 4: Assentamentos de reforma agrária conquistados no Norte Fluminense – 1980 a 2013
Assim como Washington Hermon, “ouvi falar sobre o acampamento daí senti que era a oportunidade de dar um futuro melhor para a minha família”. “Apostei que tudo daria certo e graças a Deus esta dando certo” (Rosinéia da Conceição). Para Salvadora “sempre tive o sonho de ter minha terra”. Para Juraci Carvalho de Lucena “vim para cá em busca de uma vida melhor para os meus filhos. O Assentamento foi a nossa solução” (IDEM).
Na vida produtiva, as famílias tem constituido sistemas de produção baseados na diversificação de culturas agrícolas e criações, com plantios para autoconsumo e para comercialização, em lavouras que variam, normalmente de 0,5 a 5,0 hectares, além de práticas como: avicultura caipira, criações de porte para a bovinocultura leiteira, piscicultura artesanal, suinocultura, entre outros. As principais culturas implantadas nos assentamentos são o aipim, abóbora, cana, milho, feijão, quiabo, jiló, berinjela, tomate, batata doce, banana, citrus, mamão, abacaxi, coco, hortaliças, sistemas agroflorestais e muitas outras variedades.
O perfil produtivo das famílias assentadas pode ser considerado misto, o que potencializa as práticas da diversificação. O manejo agrícola é tipicamente da agricultura familiar, de baixo nível tecnológico, com uso de mão de obra da família e com técnicas de baixo impacto ambiental. Já a comercialização dos produtos vem sendo feita por meio de venda indireta e direta, em feiras livres e em programas de venda institucional (compras por políticas públicas). Muitos dos assentamentos possuem projetos aprovados junto a CONAB (Companhia Nacional de Abastecimento), na modalidade doação simultânea, para comercialização no Programa de Aquisição de Alimentos (PAA), além de projetos de venda para o Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE). Neste aspecto, destaca-se a Feira Estadual da Reforma Agrária Cicero Guedes, que reúne assentados e assentamentos de todo o estado organizados pelo MST no centro da cidade do Rio de Janeiro, duas vezes ao ano, para comercialização, afirmação e visibilidade dos produtos da reforma agrária.
A diferenciação produtiva dos assentamentos, apesar de muitas limitações de recursos, parcerias e tecnologias, tem se guiado pelo paradigma da agroecologia por meio de práticas de transição agroecológica baseadas em sistemas integrados, consorciados e diversificados e técnicas alternativas de controle de doenças. Muitas são as famílias, em diferentes assentamentos que experimentam o manejo agroecológico como alternativa ao modelo químico anteriormente utilizado na monocultura canavieira. São experiências de produção, de comercialização, de atividades não agrícolas, de artesanatos, de organização comunitária, de saúde e de educação do campo, de manejo agroflorestal, de técnicas integradas de manejo de doenças, de compras solidárias, de experiências cooperativistas e associativistas, enfim práticas, processos e vivencias que tem mudado a forma de convivio com a terra e prosperado em vários cantos da região.
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