A Tauá, é uma comunidade camponesa tradicional que vem resistindo aos impactos das políticas econômicas que beneficiam o avanço do agronegócio no Matopiba. Ela faz parte de uma grande lista de comunidades, que assim como ela, estão em situação de conflito relacionado a posse da terra, a defesa do seu modo de vida e a defesa do meio ambiente. A comunidade estar na região Nordeste do Tocantins, considerada anel da soja, é uma das regiões que nos últimos tempos tem sido a mais cobiçada pelo agronegócio da soja e do eucalipto. Ela fica situada às margens do Rio Tocantins e as margens do Rio Tauá, no município de Barra do Ouro[1]. Que está distante há 419 km da capital Palmas e 96 km da cidade de Araguaína (conhecida como a capital econômica do Estado).
Figura 2. Mapa do Tocantins e croqui da comunidade Tauá
Fonte: Adaptação realizada por Valéria Santos[2].
O Tocantins, é mais novo estado brasileiro, criado em 1988, após fortes campanhas de grupos políticos e empresários comprometidos com os grandes projetos econômicos de exploração do Cerrado e da Amazônia brasileira. Desde então,o estado tem sido contemplado com políticas macroeconômicas em diversos setores, inclusive resultando: na construção de quatro Usinas Hidrelétricas (UHE) que favoreceu especialmente o setor da exploração de minérios; e a construção da ferrovia Norte-Sul e rodovias para facilitar a expansão da produção de grãos, bicombustíveis, silvicultura, pecuária de corte e etc.. São grandes projetos financiados pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Social (BNDES) que tem colocado o estado no foco da expansão do agronegócio, principalmente da soja.
O município de Barra do Ouro, passou por processo de transformação, através da implantação da hidrelétrica de Estreito e do agronegócio da soja e eucalipto. Nesse município predominava a agricultura tradicional e a pecuária de corte extensiva. Mas nos últimos tempos tem sofrido grandes transformações na paisagem e no modo de vida da população, principalmente da população rural.
Com a construção da Usina Hidrelétrica de Estreito, ano 2010, no Rio Tocantins, entre os estados Tocantins e Maranhão. O município sofre grandes impactos, que modificou a paisagem natural e desenraizou diversas famílias ribeirinhas e pescadores (as) que sobreviviam do pescado, da produção de vazantes[3] e do turismo no período de verão (os barqueiros, os barraqueiros e etc.). Após o enchimento do lago, muitas famílias ficaram sem terra para trabalhar e sem fonte de renda, pois a grande parte não foram reconhecidos como impactados e passaram a compor uma lista do cadastro do INCRA para serem assentados, mas nunca tiveram acesso a essa terra.
Então, essa região, desde a década de 1990, tem se tornado o maior polo de produção de soja do estado, com destaque para os municípios de Campos Lindos, Pedro Afonso e Bom Jesus do Tocantins. Dessa forma, os Projeto Agrícola Campos Lindos e o Projeto Agrícola Pedro Afonso, foram financiados pelo Programa de Cooperação Nipo-Brasileira para o Desenvolvimento dos Cerrados, terceira fase (ProdecerIII). Com esses incentivos, entre outros, o cultivo da soja tem crescido alcançado a produção de 313.980 mil toneladas, impulsionando o Produto Interno Bruto dos municípios, porém, a região abriga o menor Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) do Tocantins.
E desde 2013, o Tocantins passou a compor a nova fronteira agrícola brasileira, conhecida como Matopiba. Essa nova fronteira de expansão do agronegócio, estrategicamente é uma delimitação geográfica que envolve 73 milhões de hectares de terras nas áreas de transição dos Biomas Cerrado-Caatinga e Cerrado-Amazônia. O nome Matopiba, é o acrônimo que corresponde as iniciais dos estados Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia, abrangendo 337 municípios. Ele é compreendido como uma proposta de combinação de políticas públicas com capital privado. Visa ampliar e fortalecer a agricultura e a pecuária através de investimentos nas áreas de logística, melhoramento tecnológico e financiamento ao agronegócio.
Esse modelo “agrário/agrícola” tem crescido no Brasil, desterritorializando comunidades e povos tradicionais. É um modelo de produção orientado por programas e políticas agrícolas, que desde os tempos coloniais tem dado maior incentivo à produção de commodities, produtos para a exportação. É um modelo de desenvolvimento rural, que tem na sua essência uma agricultura de grande porte e a formação de grandes latifúndios. É uma agricultura industrial que não surgiu da dinâmica local de ocupação das terras, mas sim, de uma dinâmica de fora para dentro: o que torna o agronegócio, excludente, dependente da dinâmica financeira externa e em constante crise[4].
A lógica capitalista de produção do agronegócio, tem sua origem nos países desenvolvidos como Estados Unidos, Japão e Europa e se expandiu com imposição de ideologia reducionista cartesiana de homens brancos, com relações patriarcais de dominação da natureza; dominação das mulheres e das comunidades tradicionais dos países ditos subdesenvolvidos. Essa visão reducionista e mecanicista, hierarquiza o que é produtivo e o que é improdutivo, e ignora e violenta o que consideram improdutivo. Pois, partem de cálculos hierárquicos, usando da racionalidade contábil para calcular o PIB, índice que é não é capaz de mensurar ou valorizar a produção do modo de vida indígena e camponês. Assim, os povos e toda a biodiversidade do cerrado, são considerados na lógica produtivistas, como improdutivos e os povos como intrusos nos seus próprios territórios. É ignorado as riquezas naturais do cerrado, destruindo toda sua biodiversidade para torná-lo produtivo na lógica capitalista.[5]
Nesse sentido, tem ocorrido a pilhagem das riquezas naturais do cerrado, por meio da apropriação das terras, da vegetação e da água pelo agrohidronegócio. Esse modelo de produção agroindustrial tanto se apropria das fontes de riquezas naturais, como as destrói, envenenando, desmatando e implantando os monocultivos que impede a regeneração do solo e da fauna.
[1]É um município tem a população em torno de 4.123 pessoas, sendo 1.928 mulheres e 2.195 homens.
[2]Croqui da Comunidade Tauá, produzido pelos camponeses/as na oficina de Diagnóstico Rural Participativo, realizada pela CPT, em 2017.
[3]As vazantes, são áreas férteis na beira do rio, utilizadas por pequenos produtores para o cultivo de agricultura temporária no período de verão, após as cheias dos rios.
[4]Furtado (2009).
[5]Mies e Shiva (1993) e Shiva(1997).
ocupação tradicional e a resistência dos povos do cerrado
A região Nordeste do Tocantins, antes de ser polo agrícola do agronegócio, é acima de tudo, uma região de territórios indígenas e comunidades tradicionais. Pois, ainda no século XIX, essas terras foram ocupadas pelos povos indígenas Krahôs e depois por diversas famílias de posseiros e pequenos agricultores de origem nordestina, que encontraram nesse lugar o refrigério. Encontra nesse cerrado de riquezas abundante, um modo de vida tradicional, que vem resistindo ao avanço da frente pastoril, resistindo a violência das grilagens de terra e mais recente, resistem a violência do agronegócio através de empresas globais como Cargill, Syngenta e Bunge.
A resistência dos povos dessa região, tem se dado num processo político que tem o sentindo no não conformismo, do ato de contrapor aos de fora, de se opor a imposição da hegemonia dos grandes projetos de infraestrutura e agropecuários. Nesse sentido, a resistência tem sido fortalecida nas relações de solidariedade,construídas nos espaços comunitários, no enraizamento das relações do dia a dia e na “pregnância da memória espacial”[1]. Para essas comunidades, a relação com os bens comuns constitui-se no sagrado, que é o que permite sua existência. Esse sagrado, está no “imaginário social”, mas também nas afetividades vividas no cotidiano comunitário e na interação com a biodiversidade do cerrado, com a terra, com água, com a moradia e principalmente com a ancestralidade. Portanto, o desafio dos povos Krahôs e das comunidades tradicionais dessa região, é preservar o seu sagrado, enquanto que o desafio do agronegócio tem sido destruir o sagrado desses povos.
Os indígenas e as comunidades camponesas, dentro das suas especificidades étnicas e culturais, têm se posicionado contra o agronegócio nos municípios de Campos Lindos, Goiatins, Itacajá e Barra do Ouro, onde tem organização política mais fortalecida. Na região, além da organização interna de cada comunidade, os povos contam com a atuação da Comissão Pastoral da Terra (CPT), no apoio as lutas camponesas, do Conselho Indigenista Missionário (CIMI), apoiando a luta indígena e da Articulação Camponesa de Luta pela Terra e Território, representando as comunidades de camponeses tradicionais do Tocantins e mantém lutas conjuntas com os povos indígenas.
Na atualidade, as comunidades camponesas são desafiadas pela imposição do agronegócio e a grilagem de terra. As famílias camponesas ocupantes e posseiros da comunidade Tauá, dão seu grito de resistência, negam a invasão da soja nas suas vidas e na sua comunidade. Eles e elas, denunciam o desassossego provocado pela violência do monocultivo da soja e da insaciável ganância do suposto fazendeiro Emilio Binotto que insiste na tentativa de expulsar as famílias da terra. Rechaçam esse cultivo estranho que chegou sem pedir licença e foi tentando modificar seus costumes tradicionais. Negam esse projeto de “desenvolvimento” e destacam a perversidade do agronegócio com as famílias camponesas e com o Cerrado. Sem medo e determinados(as), denunciam a violência dos Binottos e de seus jagunços pistoleiros, que tentam a todo custo desagregar seus modos de vida.
[1]Mafesoli (2001)