Uma das falas coletadas na pesquisa de Sousa (2015, p. 87) e que traz relevância para a discussão ora apresentada foi o depoimento de um extrativista ressaltando que, “agora”, as famílias sabem o que é uma Reserva Extrativista e que esta é para as famílias dos extrativistas morarem, trabalharem e coletarem os “produtos naturais”, como o babaçu. Esta declaração mostra que a percepção das famílias sobre a finalidade deste território vai ao encontro do que está no Decreto de criação desta Resex: “A área da Reserva Extrativista ora criada fica declarada de interesse social, para fins ecológicos, na forma da legislação vigente, ficando o IBAMA, autorizado a promover as desapropriações que se fizerem necessárias” (BRASIL, 1992).
Por outro lado, passados mais de vinte anos de sua existência, as famílias ainda não têm a garantia ao acesso deste território e à exploração do extrativismo do babaçu, além da intensificação dos conflitos entre população tradicional e fazendeiros. Mas determinadas políticas públicas (Habitação e Transferência de Renda e Bolsa Verde), destinadas especialmente às populações tradicionais que são beneficiárias das Reservas Extrativistas, têm sido acessadas por algumas dessas famílias, fazendo com que elas sintam, mesmo que indiretamente, alguns benefícios da existência da Resex Extremo Norte em suas vidas.
Em relação ao uso do babaçu, ainda hoje, praticamente tudo da palmeira do babaçu é aproveitado. As folhas da palmeira servem de cobertura para as casas e para a confecção de cestos (balaio, cofo, entre outros) e artesanatos. Da amêndoa se extrai o azeite, o óleo e o leite para uso na alimentação. Do mesocarpo do coco se extrai a farinha de amido para fazer mingau. As larvas presentes no coco, conhecidas popularmente como gongo, são utilizadas também na alimentação. Da casca do coco produz-se o carvão para ser utilizado como combustível no fogão de barro. O caule da palmeira, apodrecido, serve de adubo orgânico.
O uso do babaçu pelas famílias é uma prática que estaria associada a laços de ancestralidade, conforme mencionado anteriormente. Isto revela que a extração do babaçu tem um sentido importante na reprodução socioeconômica e no cotidiano das famílias da Resex do Extremo Norte. Os relatos da pesquisa de Sousa (2015, p. 59) mostram a percepção dos entrevistados sobre esta afirmativa:
O babaçu tem muita serventia. Se a pessoa bem soubesse, ela não cortava um pé de babaçu. De tudo aproveita, do pau do pé do coco você já começa a aproveitar, porque, quando ele está velho que puba, você já pega aquele bagaço, você põe no canteiro que dá um adubo dos melhores do mundo. Tem as palhas para cobrir a casa. Com as palhas do coco faz a esteira, faz vassoura para varrer, o abano para abanar o fogo, o cofo e faz o artesanato quem já sabe. Quando eu era mais nova, me lembro que colocava a palha para fazer colchão.
Antigamente, se quebrava muito mais coco, para fazer o óleo, o leite, a massa, que fazia cuscuz. A minha família só tinha a massa do babaçu para comer. Todo dia tinha que quebrar coco. A palmeira foi uma mãe, pois era dela que se tirava o alimento da família.
A gente tempera a comida com o óleo de babaçu e faz o sabão do babaçu. Assim, dificilmente, a gente compra esses produtos, só compra os outros produtos para produzir o sabão. É uma coisa que a gente não gasta com essas coisas, então são bastante coisa, e é um auxílio direto. Também tem o carvão da casca do coco. Gás aqui, na verdade, a gente utiliza é complementar, se a mulher é acostumada a queimar com carvão, ela não confia no fogo do gás, ela confia num fogareiro cheio de brasa, aí sim, ela confia em botar uma panela e acha que vai cozinhar.
Esta percepção de que “a palmeira babaçu é como uma mãe para aqueles que a exploram” é um sentimento comum entre as quebradeiras de coco, pois as famílias usam a todo o momento no seu cotidiano o babaçu, seja na alimentação, na construção de ferramentas de trabalho e habitação, e até mesmo como geração de renda.
Outra prática comum realizada pelas famílias, desde mesmo antes da criação da Resex do Extremo Norte, é a extração do babaçu e a roça, atividades realizadas concomitantemente, em locais bem próximos. Isso só era possível, porque as mulheres tinham acesso aos babaçuais, apesar de já existir uma relação de dominação dos fazendeiros em relação a esses extrativistas, e os homens conseguiam arrendar, todos os anos, entre um a dois hectares da terra dos fazendeiros para plantar, principalmente, arroz, feijão, milho, mandioca, fava, abóbora, melancia e batata. Assim sendo, a produção agrícola praticada pelas famílias era para o consumo próprio e, outra parte, para pagar o arrendamento da terra ao fazendeiro.
No entanto, a partir da criação da Resex, e ainda nos dias de hoje, as famílias têm uma maior dificuldade de realizar essas atividades em locais próximos, pois, os fazendeiros não estão arrendando a terra para as famílias fazerem roça no interior do território da Reserva com frequência e as áreas dos babaçuais estão restritas para a coleta do babaçu e proibidas para a quebra do coco – as relações de dominação dos fazendeiros em relação aos extrativistas ainda continuam no contexto atual. Mesmo com essa dificuldade de não ter um lugar espaçoso para realizar o plantio, as famílias passaram a produzir no próprio quintal de sua casa, porém esta produção é bem pequena.
Sobre o cotidiano das famílias, especificamente as mulheres autodeclaradas como quebradeiras de coco, a rotina diária de ir aos babaçuais realizar a extração se altera com a criação da Resex, pois a quebra do coco não pode mais ser realizada nos babaçuais, uma vez que os fazendeiros, que são donos da terra onde se encontram a Resex, não permitem que isso aconteça. Uma forma encontrada pelas quebradeiras para contornar essa situação é coletar o coco de uma a duas vezes por semana com a ajuda de seus companheiros. Cabe ressaltar que a coleta somente acontece em alguns trechos da Reserva, ou seja, apenas onde os fazendeiros permitem a entrada das quebradeiras, mediante a solicitação prévia.
Para realização do transporte dos frutos coletados, as quebradeiras utilizam animais de carga (jumento) ou bicicleta, porém, em ambos os casos, a quantidade coletada é pequena. Em casos raros, contratam um automóvel com carroceria para transportar maiores quantidades de cocos. Em razão dessas mudanças, as mulheres quebram coco em suas residências. Em uma parte do dia, elas dedicam-se à atividade da quebra do coco e à produção dos seus derivados (azeite, óleo, sabão, carvão, mesocarpo, leite, artesanato) e outra parte do tempo às atividades domésticas. O babaçu continua sendo utilizado para o consumo próprio das famílias e para comercialização.
Em relação à comercialização, as amêndoas do coco babaçu é o carro chefe nas vendas, isto porque as indústrias brasileiras de cosméticos utilizam o óleo deste recurso natural para a produção dos seus produtos e financeiramente, para a empresa, é melhor comprar o produto in natura do que com a agregação de valor. O azeite, o óleo, o carvão e os objetos artesanais são subprodutos do babaçu que também são comercializados, porém, em poucas quantidades, e tem potencial para serem investidos na comercialização em escalas maiores.
Com a implementação da Usina de Beneficiamento de Coco Babaçu, que foi uma das melhorias que a criação da Resex do Extremo Norte proporcionou para as famílias extrativistas. A Usina vem se consolidando como uma estratégia de comercialização para agregar valor à produção do babaçu e gerar renda as famílias beneficiárias da Reserva. O beneficiamento das amêndoas do babaçu na Usina produz óleo e torta, que é a massa resultante da obtenção do primeiro produto.
A Usina era vista, pelas famílias, como algo positivo e as mesmas almejavam aumentar a quantidade da produção das amêndoas do babaçu vendidas para este empreendimento comunitário. Apesar deste desejo das famílias, para que isso ocorra esbarra-se na resolução da regularização fundiária da Resex, pois, resolvendo este problema (restrição da extração do babaçu), os extrativistas teriam condições de aumentar a produção das amêndoas do babaçu. E, ainda, deveria ampliar o número de Usinas, já que cada unidade tem um limite de produção do óleo. Também seria necessário estabelecer metas de produção e de comercialização nos mercados nos quais pretendem se inserir para não haver ociosidade na Usina e, tampouco, falta de clientes para a compra de seus produtos.
Assim, como este empreendimento comunitário estava dando resultados benéficos para as famílias, em 2015, foi inaugurada a segunda Usina de Beneficiamento de Coco Babaçu dos Comunitários da Resex do Extremo Norte do Estado do Tocantins, localizada na sede municipal de Carrasco Bonito. Com mais uma Usina implantada, foi estendido o número de famílias beneficiárias deste projeto, consequentemente, proporcionando aumento na renda familiar.
De modo geral, mesmo com a estratégia criada por essas famílias, a extração do babaçu reduziu-se quando comparada à quantidade de produção no período antes e depois da criação da Resex, o que não significa que as famílias pararam de realizar o extrativismo deste recurso natural. A redução da produção do coco ocorreu porque as famílias têm dificuldades para ter acesso aos babaçuais e, quando elas conseguem entrar nesses locais restritos, têm dificuldades na logística, uma vez que têm que coletar rapidamente os cocos e levá-los diretamente para quebrá-los em suas residências.
Além disso, a floresta do babaçu que existia antes da criação da Resex, uma das razões da existência deste território, não se encontrava preservada no ano de 2014 em sua totalidade (quantidade de palmeiras), uma vez que partes destes babaçuais foram substituídas por áreas de pastagens, as quais se encontram em domínio dos fazendeiros para a execução da atividade da pecuária. Ademais, nesta mesma época, a maioria das palmeiras estava queimada em razão de um incêndio acidental, onde mais de 60% da área da Reserva foi atingida. Isto deixa evidente o descompasso da existência da Resex do Extremo Norte no que se refere à conservação ambiental das palmeiras de babaçu e à garantia da existência e do uso deste recurso natural para a população tradicional local. Na opinião dos entrevistados da pesquisa de Sousa (2015), caso não ocorra a regularização fundiária da área da Reserva nos próximos anos, as famílias não terão como extrair o babaçu, pois esse território será somente pasto, ou seja, não haverá mais babaçuais nesse local.
Apesar do descompasso supracitado, a existência da Resex do Extremo Norte trouxe alguns benefícios para as famílias, como: a implantação das Usinas de Beneficiamento de Coco Babaçu dos Comunitários da Resex Extremo Norte do Estado do Tocantins, conforme mencionado, e os acessos aos Programas Governamentais, como o de Habitação das Quebradeiras de Coco e o Bolsa Verde.
A existência da Resex do Extremo Norte concedeu melhores condições de habitações a 66% das famílias, construindo casa da alvenaria, uma vez que, antigamente, as casas eram todas de taipa (UFV/ICMBio, 2014). Esta alta porcentagem de famílias que moram neste tipo de casa justifica-se em razão de parte de essas famílias terem acessado o Projeto de Habitação das Casas das Quebradeiras. Este foi um projeto específico de moradia permanente para as famílias beneficiárias da Resex do Extremo Norte que foi articulado pela Dona Raimunda, CNS e por organizações da região do Bico do Papagaio entre os anos de 2004 e 2005. Inicialmente, o projeto havia sido contemplado para construção de 500 casas, sendo que estas teriam nove metros por seis metros e seis cômodos: banheiro, despensa, quarto, sala e duas áreas de serviço (uma na área da frente e outra na área atrás da casa).
Como, nessa época, o território da Resex do Extremo Norte não estava com a terra regularizada e não poderia construir as casas dentro deste território, as residências foram construídas e distribuídas para as quebradeiras de coco nos municípios de Sítio Novo, São Miguel do Tocantins, Buriti, Carrasco Bonito, Praia Norte e Axixá. Porém, seu tamanho foi reduzido para quatro cômodos (banheiro, despensa, quarto e sala) e, com esta redução, o projeto foi ampliado para a construção de 800 casas. Este projeto de habitação ficou conhecido popularmente pelo nome de “Casas das Quebradeiras de Coco”. Segundo um dos entrevistados da pesquisa de Sousa (2015, p. 85), “[...] fazia tempo que vinha brigando por moradia para a área da Reserva. [...] faz muito tempo que a gente vem lutando para que a Reserva seja regularizada. A moradia saiu e a regularização da Reserva nunca saiu”.
Já as outras 44% das famílias que não conseguiram acessar, sobretudo, o Programa de Habitação das Quebradeiras de Coco, pois, naquele momento de construção e distribuição das casas, o IBAMA não tinha uma lista oficial de quem eram as famílias beneficiárias da Resex do Extremo Norte, o que acabou resultando no fato de que algumas famílias beneficiárias não receberam as casas e algumas que não eram beneficiárias conseguiram o acesso deste recurso (UFV/ICMBio, 2014). Essas famílias que não haviam sido beneficiadas com as habitações de alvenaria acreditavam que seria difícil acessarem alguma política pública de habitação em um futuro próximo, ou seja, provavelmente, elas continuariam morando nas casas de taipa ou mista (taipa + alvenaria) por um tempo indefinido.
Outra política pública que tem mostrado para as famílias que há um significado em relação à existência desta Resex é o fato de elas acessarem ao Programa Bolsa Verde. Além de ser um complemento na renda familiar trimestralmente, algumas famílias acreditam que o acesso a esta política tem a sua importância em relação às responsabilidades dos mesmos em conservar o meio ambiente na Reserva da qual são beneficiários.
De acordo com os dados do Ministério do Meio Ambiente, até março de 2015, aproximadamente 33% das famílias da Resex do Extremo Norte eram beneficiárias do Programa Bolsa Verde. Entretanto, as famílias que não conseguiram ser contempladas com essa política pública já tinham assinado o Termo de Adesão ao Programa e estavam esperando o ICMBio autorizar a liberação do recurso. Ou seja, tem a possibilidade de se ampliar o número de famílias contempladas com o benefício do Programa Bolsa Verde.
Sobre as diversas fontes de renda das famílias, pode-se constatar que os programas e os benefícios de transferência de renda do Governo, como os Programas Bolsa Verde e Bolsa Família, são acessados por essa população e têm importância na composição da renda familiar. Ademais, a comercialização da produção do babaçu e seus derivados e da agricultura, além da venda da força de trabalho do membro familiar, são meios que as famílias têm para conseguirem renda. Do ponto de vista das famílias, sua renda precisa ser melhorada, uma vez que, conforme foi constatado, aproximadamente 44% das famílias estão na linha da extrema pobreza.
Também foi possível verificar, conforme já abordado, que a placa da “Reserva Extrativista Extremo Norte do Tocantins” colocada dentro deste território, em 2012, trouxe significado aos atores sociais envolvidos com este acontecimento, provocando, assim, expectativas sobre o futuro desta Resex. Para os fazendeiros, este trabalho de demarcação e sinalização do perímetro da Reserva trouxe descontentamento e preocupação diante da possibilidade de perderem a sua posse da terra. Como resposta a este ato do ICMBio, eles reforçaram a sua oposição à Reserva criando a “Associação dos Produtores Rurais de Carrasco Bonito” para representá-los.
Diante da criação desta associação e como forma de fortalecer o grupo, alguns fazendeiros venderam várias áreas, com dois a três hectares, de suas terras. No entanto, esses compradores, no ato do fechamento da venda da terra, teriam que se associar a esta organização. Essa estratégia tinha por objetivo ampliar o número de proprietários na área da Reserva e fortalecer a recém constituída organização, o que dificultaria, de fato, o uso deste território por parte das famílias extrativistas e do processo de desapropriação das propriedades rurais.
Já para as famílias extrativistas, a sinalização das placas simbolizava que a Reserva tinha saído do papel e que, em um futuro próximo, os seus direitos de uso e moradia dentro da área deste espaço seriam concretizados.
Todavia, a placa não retratava esta compreensão realizada pelas famílias e pelos fazendeiros. De um modo geral, as sinalizações, como um todo, representavam a existência de uma Unidade de Conservação e a presença física do Estado, por meio do ICMBio, dentro da Resex.
Embora a regularização fundiária ainda não tivesse ocorrido no ano de 2014, o que se percebeu é que as famílias acreditam que, se a Reserva “saísse do papel”, a vida delas iria mudar para melhor, pois, se isso ocorresse, elas poderiam morar, quebrar coco, plantar e criar animais de pequeno porte dentro deste território. Além disso, não haveria relação de dominação dos fazendeiros com os extrativistas, uma vez que as famílias trabalhariam na área da Reserva conforme as regras construídas pelas pessoas que usufrutuariam deste espaço. Os relatos que seguem mostram a percepção dos entrevistados em relação à possibilidade de melhoria na vida das famílias no futuro se as mesmas morassem dentro da Resex.
Aí eu pensei assim: ia melhorar bastante se a gente pudesse ganhar, pelo menos, um pedacinho de terra, para a gente morar lá dentro. Ave Maria, juntar meus cocos sossegada, para não ter briga [conflitos entre quebradeiras de coco e fazendeiros], criar os porcos. Ia ser a melhor coisa. Eu fui criada no meio do mato, pode-se dizer, né? Do mesmo jeito, eu queria criar os meus filhos. Ia ser muito bom para a gente ter uma terrinha, para a gente trabalhar dentro dela, investir. Seria ótimo! Bom mesmo. Eu queria plantar. Queria mexer com mandioca, com bananeira. Eu tenho vontade de ter um bananal. Eu tenho vontade. Assim a roça do milho, do feijão, do arroz, do bananal bem grande. Poder criar porco, galinha, tudo isso. Ter as minhas coisas plantadas para mim viver daquilo. Ter o feijão para vender, a galinha. Seria muito bom. É muito bom você chegar no final do mês e não precisar de comprar o feijão, nem o arroz. É bom. Seria bom por isso (SOUSA, 2015, p. 95).
Ai, meu Deus, é tanta coisa que eu penso. É um sonho alto. Ave Maria, nem vou te dizer porque você pode até cair dura com o tanto de coisa. [risos] Plantar feijão, arroz. Plantar tudo e tudo e tudo. Fazer uma casa bem bonita para mim morar lá dentro. Criar galinha. Eita, menina, quando amanhece o dia e a gente acorda jogando milho para aquele tanto de galinha. Aí eu grito: “Menino, vai buscar na roça aquela abóbora amarelinha. Menino, pega uma galinha para a gente jantar!” E o menino vai lá e pega. Mais é gostoso!!! Um arrozinho com uma abobra [sic] e uma galinha caipira... Rapaz, a gente sabendo que é lá da roça da gente é gostoso demais. É muito ruim morar neste tiquinho velho. Para mim, isso é pinico. É pinico. Tudo é cercado aí, oh. Se der vontade de pular, não pula. Se der vontade de correr, não corre. Se der vontade de soltar um grito, você não pode soltar o grito, porque os vizinhos há de ouvir. Eles falam: “Ali tem uma casa de louco”. E a gente dentro de uma terra que é da gente, rapaz, é bão demais (SOUSA, 2015, p. 95).
Muié [entrevistadora], eu digo, se essa terra sair, o meu marido fica bem aí com essa oficininha e eu vou para dentro com os meus filhos. Eu tenho coragem de enfrentar o batidão. Eu tenho certeza que, se nos ganhar essa terra, eu tenho certeza que vai vim com o que nos para a gente trabalhar lá dentro. Nos está dentro. Ave Maria, é meu sonho, se eu morrer e não morar numa terra minha, para mim trabalhar, quebrar coco e plantar, fazer o que eu tenho vontade, me soltar dentro, sabe? Eu tenho vontade que vem do coração. Faz tempo e faz muito tempo que tenha essa vontade (SOUSA, 2015, p. 96).
A partir destes relatos pôde-se perceber que as famílias acreditam que, em um futuro próximo, o Estado regularizará a questão fundiária do território da Resex do Extremo Norte e elas passarão a ter o direito garantido do uso deste espaço, o que também proporcionaria o fim dos conflitos entre extrativistas e fazendeiros. A fala que segue resume a percepção das famílias sobre o que é necessário ao Estado fazer para que se resolva a situação da Reserva Extrativista do Extremo Norte: “O Governo tem que desapropriar a terra e dar para o povo. E aí a gente vai trabalhar e vai ficar muito feliz, porque é da gente. Não é não?!” (SOUSA, 2015, p. 96).
Portanto, diante desta discussão, evidencia-se que, se o processo de implantação desta política pública (Reserva Extrativista do Extremo Norte) fosse concluído, as famílias extrativistas teriam mais benefícios, principalmente, o acesso a terra e aos seus recursos naturais. Como não foi concluído este processo, o que se percebe é que as famílias ainda convivem com os conflitos fundiários e ambientais.