No Brasil, a estrutura fundiária é caracterizada pela concentração de terras nas mãos de uma elite agrária, denominada como latifundiários, e também por expropriação violenta de famílias e resistência do campesinato frente a esta realidade. Diante deste contexto fundiário, a figura mais emblemática dessa história é o latifúndio, uma herança que tem sua raiz no próprio processo de colonização do país. Todavia, apenas a partir da publicação da Lei de Terras, em 1850, que o acesso a terra limitou-se a não ser por meio da posse de título.
Na percepção do sociólogo rural brasileiro, José de Souza Martins (2000), a Lei de Terras contribuiu para a consolidação do latifúndio, bem como a instituição da propriedade privada e plena, marcando o início da desvinculação do Estado como senhorio da terra, já que, a partir desse momento, as terras que eram de domínio da Coroa Portuguesa transformavam-se em propriedade imobiliária sujeita a compra e a venda sem intervenção estatal. A implicação desta transferência, de acordo com este mesmo autor, foi a criação do direito absoluto, que é a principal causa da existência do latifúndio no Brasil, bem como das dificuldades para dar à terra uma função social.
Esta realidade provocou e, ainda, vem provocando, ao longo da história, a exclusão de muitos trabalhadores rurais ao acesso a terra e a potencialização de diversos conflitos no território brasileiro. Isto vai fomentar a luta pela terra e pela reforma agrária que, entre as décadas de 1950 a 1960, são intensificadas por diversos setores progressistas que clamavam pelo acesso a terra. No entanto, com o golpe militar de 1964 a Reforma Agrária é momentaneamente adormecida.
Após a redemocratização do país, que ocorreu em 1985, essa discussão volta à tona no cenário nacional com o surgimento de diversos movimentos sociais como o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terras (MST), o Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB), o Conselho Nacional dos Seringueiros (CNS) entre outros que, também, vão reivindicar o acesso a terra e a garantia aos direitos de milhares de trabalhadores rurais em todo o território brasileiro.
Esta situação não era diferente no território do Bico do Papagaio, isto porque estava ocorrendo o processo de ocupação e de implantação de diversos projetos desenvolvimentistas cabeceados pelo Governo Militar na região da Amazônia Brasileira, a qual também o Bico do Papagaio está inserido. Entre esses projetos é possível citar a construção de diversas infraestruturas, principalmente, as rodovias, como a Transamazônica. Esta teve o propósito de interligar os dois extremos longitudinais do país e povoar esta área até então vista, pelo Estado, como desabitada. Em razão da construção deste empreendimento tornou-se mais intenso o processo migratório do Nordeste para Norte do país, bem como dos grupos econômicos, o que proporcionou a valorização das terras novamente e a especulação fundiária na região do Bico do Papagaio. Isso colaborou ainda mais para potencializar o conflito de terras nesta região (FERRAZ, 2000).
Diante desse cenário, os trabalhadores rurais, sob a influência da Comissão Pastoral da Terra (CPT), por meio do padre Josimo, criaram nesta região diversos Sindicatos dos Trabalhadores Rurais, ao longo da década de 1980. Assim, os Sindicatos com o apoio da CPT passaram a reivindicar a tão sonhada Reforma Agrária e o direito à posse da terra e a constituição de assentamentos rurais na região (CARVALHO et al. 2006; SANTOS, 2011).
Cabe destacar ainda que, na década de 1980, na região onde se encontra o território da Resex do Extremo Norte, a prevalência dos latifundiários era grande, por vez, eram estes atores que detinham o direito de propriedade sobre os recursos naturais, principalmente, aos babaçuais, que eram desmatados para a expansão da pecuária extensiva. Assim, os migrantes nordestinos, os descendentes de indígenas, os quilombolas, entre outros sujeitos que moravam ali, ou seja, os posseiros eram impedidos de quebrar e coletar os cocos de babaçu nas propriedades privadas.
Diante deste cenário, estes grupos viviam em povoados paupérrimos, construídos no único espaço físico que lhes sobrou naquela imensa região, a pequena faixa situada entre as cercas das grandes fazendas e as estradas. As casas eram de parede de barro e cobertas com folhas de palmeira do babaçu, e, no seu interior, não tinha quase nada. É diante desta situação que o coco babaçu era a base da resistência dos trabalhadores, uma vez que este produto garantia a renda familiar. Portanto, a coleta do babaçu e a agricultura para o consumo da família eram as principais atividades econômicas desenvolvidas pelos trabalhadores rurais (BEHR, 1995).
Para Martins (1990) o processo de ocupação da região de fronteira entre os Estados do Pará, Goiás, Maranhão, Mato Grosso, Rondônia, Acre e Amazonas, na qual se insere também a região do Bico do Papagaio, se configura como movimento de reprodução ampliada do capital, ou seja, a expansão do capitalismo se faz sobre as terras ocupadas por posseiros, através da expropriação e da expulsão violenta das famílias que já moravam nestes locais.