Foi muito difícil, eu cheguei a pedir para meu pai desistir. E meu pai dizia: ‘não meu filho, não vou desistir. A gente vai conseguir.’ E a gente conseguiu. Hoje em dia a gente está titulado, a gente tem respaldo.” – Valdo Galiza Teles, 29 anos, Agente de Saúde de Guajará Mirim
Valdo Galiza Teles. Foto: Carlos Penteado
Os moradores de Guajará Mirim tiveram consciência de que, por serem quilombolas, tinham direito à titulação coletiva de suas terras, a partir de um encontro de comunidades negras rurais promovido pelo Centro de Estudos e Defesa do Negro do Pará (Cedenpa), em 2000. Por meio desse encontro, José Carlos Galiza e outras lideranças da região conheceram quilombolas do município de Oriximiná, que já estavam há mais tempo na luta e parte deles já tinha suas terras tituladas coletivamente, conforme previsto no artigo 68 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias da Constituição Federal.
Inicialmente, sem saber da possibilidade de titulação em caráter coletivo, os quilombolas de Guajará Mirim pleiteavam, junto ao governo do estado do Pará, títulos individuais a cada família, por meio da usucapião – direito de domínio de um bem pelo seu uso prolongado. A partir desse encontro, decidiram mudar de estratégia, conforme nos conta José Carlos:
“Aí eu começo a refletir: bem, todas as comunidades que eu faço pastoral são comunidades negras, rurais, tradicionais. Portanto, estão com os dois pés na África. Portanto, são quilombos. A primeira coisa que eu vou propor pra minha comunidade é mudar o rumo da luta. Porque se eu tiver lutando pelo título individual, é eu sozinho. Se eu tiver lutando pelo título coletivo, além de ter mais famílias lutando pelo mesmo objetivo, ainda vou ter o apoio do Cedenpa, outras organizações pra lutar comigo. Aí eu vou fortalecer.”
Devastação ambiental e expulsão das famílias de Guajará Mirim
Um evento que mobilizou a resistência dos quilombolas de Acará foi a construção da alça viária do Pará, conjunto de pontes e estradas que ligam a região metropolitana de Belém ao interior do estado, inaugurada em 2002. Havia uma grande demanda por areia para aterrar as áreas de várzea por onde passaria a alça viária. Guajará Mirim é um território com mais de 200 hectares de areal, e sofreu pressões de terceiros para que, de lá, fosse extraída areia para fornecer ao empreendimento.
Antes disso, outros conflitos já vinham ocorrendo, e a organização para a luta pela terra em Guajará Mirim surgiu devido a uma disputa fundiária com pessoas que se diziam proprietárias das terras do quilombo.
Na década de 1990, os quilombolas da região se organizaram, com o apoio da Comissão Pastoral da Terra e das Comunidades Eclesiais de Base, em busca da garantia dos seus direitos. Fundaram uma associação, procuraram a defensoria pública do estado do Pará e também o Instituto de Terras do Pará. Inicialmente, não sabiam que tinham direito à titulação coletiva de seu território, garantido pela Constituição Federal de 1988. Foi então que, na oficina realizada pelo Centro de Estudo e Defesa do Negro do Pará (Cedenpa), souberam que, por serem quilombolas, tinham direito à titulação coletiva de suas terras.
Após a oficina, em 2000, foi aberto no Iterpa o processo de titulação de Guajará Mirim como terra quilombola. O órgão estadual realizou levantamento da cadeia dominial do território e constatou a inexistência de qualquer título de terra legítimo no território de Guajará Mirim, e que a comunidade, como muitas outras da região, foi vítima de grilagem de terra. Tal descoberta deu ainda mais força aos quilombolas de Guajará para lutarem por seus direitos.
Segundo explica José Carlos Galiza:“Eles não tinham documento, acho que fizeram o documento na hora da venda do terreno, foram no cartório, fizeram uma escritura pública e venderam para uma família de São Paulo, uma família chamada Bocaiúva. Maduros Bocaiúva. E esse pessoal chegou com o apoio do governo do estado, a secretaria de agricultura do estado, num projeto financiado pelo Banco do Brasil.”
Conflitos com fazendeiros também levaram ao desmate total do território de Guajará Mirim e à expulsão de muitas famílias da área do quilombo. Ficou só o céu e a terra, eles tiraram tudo – lembra Janete Tavares Galiza.
A única alternativa dada aos quilombolas era trabalhar para os fazendeiros, ou então desocuparem o território, como explica Marco Antônio Tavares Galiza “Quem não foi morar em Belém, ficou trabalhando como se fosse um escravo. Ou trabalhava pra eles, ou trabalhava pra eles. Porque não tinha uma outra alternativa.”
Muitos dos quilombolas de Guajará, se recusando a trabalhar para eles, partiram para a região metropolitana de Belém à procura de emprego e melhores condições de vida. Outros preferiram continuar nas terras que tradicionalmente ocupavam.
Alguns anos depois, tendo fracassado em seu empreendimento, a família Bocaiúva partiu, abandonando as máquinas utilizadas no processo de colheita.
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