Aspectos legais, conflitos e atores
O reconhecimento de direitos específicos aos quilombolas é algo relativamente recente no Brasil. Enquanto os direitos dos índios às suas terras são reconhecidos desde a época colonial e pelas sucessivas Constituições Brasileiras desde a de 1934, o direito dos remanescentes de quilombos foi reconhecido pela primeira vez no ano de 1988 quando da promulgação da atual Constituição que no artigo 68 das suas disposições transitórias determinou:
ART. 68. Aos remanescentes das comunidades dos quilombos que estejam ocupando suas terras, é reconhecida a propriedade definitiva, devendo o Estado emitir-lhes títulos respectivos.
Outros dois artigos da Constituição Brasileira também reconhecem direitos para as comunidades quilombolas ainda que não haja menção específica: artigos 215 e 216 do Capítulo sobre Educação, Cultura e do Desporto. O artigo 215 determina que o Estado proteja as manifestações culturais afro-brasileiras. Já o artigo 216 considera patrimônio cultural brasileiro, a ser promovido e protegido pelo Poder Público, os bens de natureza material e imaterial (nos quais se incluem as formas de expressão, bem como os modos de criar, fazer e viver) dos diferentes grupos formadores da sociedade brasileira, entre os quais estão, sem dúvida, as comunidades negras.
O direito ao território está assegurado também pela Convenção 169 sobre Povos Indígenas e Tribais da Organização Internacional do Trabalho (OIT) que determina que se reconheçam os direitos de propriedade e de posse sobre as terras que esses povos tradicionalmente ocupam (artigo 14). O tratado internacional estabelece ainda que o termo "terras" deverá "incluir o conceito de territórios, o que abrange a totalidade do habitat das regiões que os povos interessados ocupam ou utilizam de alguma outra forma" (artigo 13).
O Decreto presidencial 4.887 de 2003 estabelece os procedimentos para titulação das terras quilombolas pelo governo federal. Alguns estados brasileiros também possuem legislação própria visando a titulação de terras quilombolas. Esse é o caso do estado de São Paulo e do Decreto n. 41.774, de 1997, instituindo um programa visando regularizar as terras quilombolas incidentes em áreas devolutas estaduais, além de implantar “medidas socioeconômicas, ambientais e culturais” destinadas a esses povos.
Apesar do reconhecimento legal, a garantia dos territórios pela titulação coletiva tem sido muito difícil. A primeira titulação de uma terra quilombola deu-se somente sete anos após a promulgação da Constituição, em novembro de 1995. Até outubro de 2015 somente 157 terras quilombolas foram tituladas (7% do total existente) enquanto 1.489 processos estão abertos no Incra, órgão do governo federal responsável pela titulação das terras (CPI-SP www.cpisp.org.br/terras ).