AVANÇOS E EXPECTATIVAS
Apesar da garantia trazida com a titulação, a sobrevivência das famílias das Cabeceiras ainda é uma preocupação. Assim muitas de suas expectativas em relação ao futuro têm relação com a uma melhora na estrutura da produção e a busca de novos mercados para a venda da farinha e de outros produtos.
Os quilombolas se queixam que os programas governamentais de fomento à produção não se adequam à sua realidade sendo de difícil acesso. Outro problema são as dívidas decorrentes dos empréstimos obtidos através do Programa Nacional de Desenvolvimento da Agricultura Familiar – Pronaf.
“Quando chega na época da colheita, aí a gente vê o problema. Chega na hora [de pagar o empréstimo], a mandioca não está boa pra colheita. Às vezes quando aparece o comprador, ele que dá o preço, aí fica difícil, o preço é pequeno. Aí com isso vai tendo dificuldade pra que a pessoa possa pagar seu empréstimo”, explica Wanderley Garcia, do quilombo do Silêncio.
Os quilombolas se ressentem também da falta de apoio técnico:
“Outra coisa, a gente não tem assistência técnica, orientação, de como seria para investir esse recurso.
Queríamos que o governo desse mais apoio para o agricultor, fornecendo máquina, técnico para que oriente as pessoas, porque com isso o país só tem a ganhar. Mas do jeito que tá, infelizmente não tem como progredir. Porque você pegar um dinheiro, fazer um projeto, sem saber como investir, é claro que só vai dar prejuízo”, completa Wanderley Garcia.
Carlos Caetano e sua família capinando a roça de mandioca - Comunidade Silêncio
(Foto: Mayara Maciel)
Outro impacto positivo da titulação na opinião dos quilombolas é que possibilitou avanços no acesso a serviços básicos: “no sentido de conseguir melhorias para a comunidade melhorou muito [com a titulação]”, segundo Verinha dos Santos. Hoje, a grande maioria das casas possuiu água encanada e luz elétrica e um novo projeto de habitação está sendo efetivado. Em duas comunidades há postos de saúde (Matá e São José) e a cada três meses uma equipe médica visita a Cabeceiras para a realização de exames.
“Antes, se você adoecia, para chegar em Óbidos era muito difícil, hoje não. Hoje se você tem uma pessoa doente, se você não tem condições de levar, você liga para Secretaria de Saúde e eles mandam uma lancha para pegar o paciente”, atenta Carlos Caetano dos Santos, 55 anos, do quilombo do Silêncio, vice coordenador da Acornecab.
Há escolas no próprio território, o que agrada os quilombolas por não ser necessário os jovens irem para a cidade para terminar os estudos. Porém, existem queixas quanto à qualidade dos serviços e existem desafios a serem superados como da contaminação das águas. Na época das chuvas, a água dos lagos sobe e, muitas vezes, atingem as fossas secas das casas, o que chega a contaminar os poços de água potável: “Quando chega no período do inverno, na época da chuva, é uma quarentena de doença, como a gente fala aqui”, segundo Wanderley Garcia.
Para solucionar a questão, um projeto da Fundação Nacional de Saúde (Funasa) de construção de banheiros com encanamento ligado a uma foça única foi aprovado em 2013. Mas foi parcialmente realizado: somente 61, das mais de 500 casas, receberam o benefício, não havendo na previsão para o reinicio das obras. Os quilombolas também não foram consultados sobre a planta dos banheiros e há reclamações sobre seu tamanho diminuto e desconfortável.
Reforçando articulações
A parceria e a luta articulada com as demais comunidades quilombolas da região é um avanço lembrado pelos quilombolas das Cabeceiras para garantir mais melhorias que integram o Fórum Quilombola do Baixo Amazonas. Criado em 2013, reune associações de toda a região e ONGs parceiras, como a Comissão Pró-Índio de São Paulo, e é viabilizado com o apoio financeiro de ICCO.
“É muito importante se articular com as outras comunidades. A gente só tem a ganhar se organizando e unindo forças. A Cabeceiras foi titulada, ai se isolou e não progrediu nada. Ela só teve a perder. Então é por isso que eu digo que é muito importante, as coisas estão cada vez melhores agora”, disse Wanderley.
Reunião do fórum Quilombola do Baixo Amazonas - Março de 2014 (Foto: Lúcia Andrade)