Resistir é lutar
A relativa estabilidade que os camponeses mantém na área hoje não foi conseguida de forma fácil. Eles tiveram que enfrentar a polícia, guaxebas e várias ordens judiciais. Os guaxebas são homens armados, pagos pelos latifundiários da região para amedrontar os camponeses, evitar a ocupação de novas áreas e expulsá-los das áreas tomadas.
[...] teve grupo de operac?a?o pra mandar tirar a gente daqui de dentro que chegou e falou assim: “se voce?s forem pro mato, vamo botar cachorro em voce?s!”. Eu tenho testemunha disso ai?, dentro do Canaa?! Eles na?o ponhou cachorro porque na?o tiveram capacidade de tirar no?s ate? hoje, mas foi prometido de por cachorro atra?s de companheiro: “se voce?s se esconder no mato, vamo por cachorro em cima de voce?s!”. [...]
A u?nica sorte que no?s tivemo e? que na?o tombou nenhum companheiro la? dentro ainda, foi muita sorte que no?s tivemos. De eles terem anos de luta, com fazendeiro, mandando tirar... poli?cia... ja? teve companheiro que apanhou da poli?cia ali dentro, entendeu? Eu na?o fui na?o, mas teve companheiro com costela quebrada ali dentro. Enta?o, mandado por quem? Fazendeiro!... e? sofrido... E tamos na luta ate? hoje! [...] No?s ta? querendo mais partir pra cima de mais coisa pra tentar melhorar a vida no campo, porque na?o e? fa?cil na?o. (Grabois, camponês do Assentamento Canaã)
Além das possibilidades ilegais de expulsão da área, os camponeses do Canaã também enfrentam, ameaças legais de despejo. Os camponeses vivem a angústia de poder perder mais de uma década de esforço.
É uma angústia muito grande. Deus me livre, se isso acontecer, a gente não tem nem para onde ir porque a gente não tem casa na cidade e não vai ter emprego. Uma pessoa da minha idade não tem como mais arrumar emprego. Para começar, eu tenho 54 anos e nunca trabalhei de empregado, não tem como ir para a cidade. (Arlindo Souza vive no Canaã há mais de 10 anos
Há mais 10 anos na área, com promessas de legalização da posse feitas pelo INCRA que nunca são cumpridas, os camponeses relatam que cada novo juiz que chega na comarca emite uma ordem de despejo para o Assentamento. A última ordem judicial de reintegração de posse foi emitida contra os camponeses em 01 de dezembro de 2014. Segundo a ordem, os camponeses teriam 30 dias para desocupar a área. Eles vivem novamente, sob a tensão de perder tudo que construíram.
Eu nunca enfrentei [despejo] na?o. Mas que eu fiz de barraco no mato. Ja? puxei porco, galinha, coisa de dentro de casa, o que comer, colcha?o, coberta, tudo, e ja? foi amoitado no mato, esperando vir, porque so? mandavam aviso de que iam vir, iam vir... e no?s se prevenia. Fazia nossa chocinha no mato, e ficava entocado la?, igual lobisomem. Mas grac?as a Deus, nunca veio porque no?s ja? lutemo muito ne?... (Josué vive no Assentamento Canaã).
Nós queremos ficar em paz e trabalhar. Aqui temos plantações de cacau, café, banana, arroz, etc. Vão tirar a gente daqui para quê? Para ir para cidade e ficar sem emprego, sem casa? A gente tem que ficar aqui, ter a vida da gente sossegada, trabalhar a terra, isso que é a minha felicidade, meu sonho, e nós vamos lutar com unhas e dentes para conseguir isso. São treze anos de luta e agora eles vêm querendo tirar a gente daqui. Mas nós vamos lutar até o fim, não vamos sair daqui. (Maria Lúcia Santos Silva vive com sua família no Assentamento Canaã há 13 anos)
Os camponeses vêm realizando há anos uma intensa campanha pela legalização das terras e contra as ordens de despejo. Em 2012, os camponeses receberam uma ordem de reintegração de posse. Foi realizada pela imprensa uma campanha de difamação dos camponeses. Os camponeses realizaram uma manifestação na BR364, que liga o estado à região sul. Levaram para o local suas ferramentas de trabalho e parte da produção do Assentamento, que é considerado um dos mais produtivos do estado pelo próprio INCRA. A cada tentativa de despejo, a rede de apoio é reativada. Atualmente, advogados, jornalistas, intelectuais, estudantes, etc, já estão a postos, acompanhando de perto a situac?a?o da área, que pode ser despejada a qualquer momento.
Mas os camponeses garantem que vão continuar resistindo, pois investiram muito trabalho e não lhes resta outra opção melhor, segundo o camponês Otávio Gonçalves da Silva.
Antes de vir pra cá, eu morava na terra de parente, tocava lavoura lá. Aí soube do acampamento e vim pra cá. Aqui somos eu, minha mulher e um menino. Se tiver despejo, não sei o que vou fazer não, não tenho pra onde ir, tudo o que eu tenho está aqui. A ordem de reintegração de posse é muito injusta. Tirar a gente agora depois de 13 anos de benfeitoria? Nós fizemos tudo sozinhos, furamos poço, construímos casa, temos as lavouras.