Para o professor Gerlan Barbosa, em seu trabalho de conclusão de curso, a construção da identidade camponesa e sua valorização ao longo da história brasileira, incluindo a educação escolar, foram marcadas por descaso e discriminação pela elite dominante do país. Assim, o homem do campo pouco tem valor e isso impregna no senso comum a ideia de que o campo significa “lugar de atraso” e sabe-se que a cultura camponesa sempre foi dotada de conhecimentos populares que enriqueceram outros estudos. A educação no meio rural sempre foi negligenciada e esquecida diante de uma realidade na qual o campo era visto como um espaço precário, de retrocesso agrário e social. Segundo Rocha (2011, p. 01):
O modelo de desenvolvimento implementado no campo brasileiro foi tão excludente que marca até hoje o modelo de educação adotado no Brasil. A escola brasileira, de 1500 até o início do século XX, serviu e serve para atender as elites, sendo inacessível para grande parte da população rural. Para as elites do Brasil agrário, as mulheres, indígenas, negros (as) e trabalhadores(as) rurais não precisavam aprender a ler e escrever, pois para desenvolver o trabalho agrícola o letramento era desnecessário.
A educação no meio rural, sempre esteve atrelada ao sistema de produção capitalista, que tinha no latifúndio as suas bases. O camponês para trabalhar a terra não necessitava saber ler” (Moura 2009, p. 54). Mas, pelo contrário:
O campo não é atraso, é história vivida. A escola do campo deve ser pensada para que seja viva, e interaja com o lugar e seus sujeitos. Para que a escola do campo seja viva, ela deve ser construída por sua comunidade, pensada para ajudar no processo de desenvolvimento social, para manter a cultura, a raiz e a história daquele lugar. Essa escola deve formar sujeitos participantes e capazes de construir seu próprio caminho, buscando seus direitos e lutando para serem cidadãos do campo (Wizniewsky 2010, p. 33).
Isto porque o campo possui simbologias significativas e diferenciadas, com diversidade cultural, étnica, racial e, principalmente, múltiplas gerações que ao longo do tempo vão recriando os saberes.
O movimento da Educação do Campo tem intensificado suas lutas por uma educação melhor e de qualidade desde 1997 com o Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária (PRONERA), fruto da luta dos movimentos sociais do campo por uma educação pública de qualidade para todos. Assim, esse movimento vem mostrando o seu papel e sua importância na luta junto aos camponeses, pois se propõe a romper com o modelo de educação determinista que tem a prescrição e narração de conteúdos como métodos, tratando os sujeitos envolvidos no processo educativo, como recipientes que devem ser preenchidos de conteúdos (FREIRE, 2011).
É preciso essa interação (escola e o trabalho) para a formação de uma concepção de mundo. Tanto o mais primitivo como o menos qualificado devem constituir a base de um novo tipo de intelectual. O tratamento dado a estes eixos – trabalho, cultura, ciência – aponta para uma integração plena, onde cada eixo implica necessariamente a incorporação dos outros. Assim, podemos entender que a indissociabilidade entre ciência, cultura e trabalho é necessária, em toda proposta pedagógica que pretende uma formação unitária.
Duarte (2008, p.37) destaca que é obrigação do Estado assegurar políticas diferenciadas para garantir o acesso à educação, aos grupos sociais com maior dificuldade. Desta forma, o movimento em defesa de uma Educação do Campo, (que não se restringe simplesmente à busca por educação de qualidade) não busca privilégios e regalias para os povos camponeses, mas a efetivação de direitos universais negados historicamente. Assim “a garantia de acesso diferenciado à educação não é um privilégio, mas sim uma política que pode ser justificada racionalmente a partir de uma situação de desigualdade” (DUARTE, 2008, p 37).
É importante salientar que a Educação do Campo não se propõe a transformar os opressores de hoje nos oprimidos de amanhã e os oprimidos de hoje nos opressores do futuro, mas almeja justamente a construção de uma sociedade sem sobreposição de classe (FREIRE, 1975. Portanto, bem como enunciado acima, a Educação do Campo defende um modelo pedagógico libertador, que desenvolva a criticidade, tornando os sujeitos capazes de compreender o contexto e determinações históricas em que estão inseridos e que são capazes de mudar a situação em que vivem. Ou seja, possibilitar a compreensão de que são e podem ser construtores de sua própria história.
Com as Diretrizes Operacionais para a Educação Básica das escolas do campo (PARECER nº. 36 de 2001 e a RESOLUÇÃO nº. 01 da CÂMARA de EDUCAÇÃO BÁSICA do CONSELHO NACIONAL de EDUCAÇÃO) as normas e critérios políticos, pedagógicos, administrativos e financeiros, ofereceram fundamentos legais e orienta a organização das escolas do campo e, cujas regras devem ser regulamentadas pelo Sistema de Ensino Municipal, Estadual e Federal na Educação Básica (BRASIL, 2001).
As Diretrizes Operacionais têm como pretensão universalizar a educação básica e a educação profissional com qualidade social, ao considerar a importância dessa educação para o desenvolvimento social, “economicamente justo e ecologicamente sustentável”. Essa questão é reforçada ao se proporem mecanismos de “gestão democrática” através do controle social pela “efetiva participação da comunidade do campo” na escola, instrumentalizada pelo projeto político-pedagógico da escola e pela participação da comunidade em Conselhos escolares ou equivalentes, conforme o artigo 10 das Diretrizes Operacionais e artigo 14 da LDB (BRASIL/MEC, RESOLUÇÃO CNE/CEB nº 1/ 2002 ; BRASIL/ LDB nº 9394/1996).
Ao lado dessas Diretrizes Operacionais, o movimento denominado inicialmente de “Por Uma Educação Básica do Campo” e sendo alterado a partir dos debates realizados, na II Conferência Nacional de Educação do Campo, em 2002, para “Por Uma Educação do Campo”, são conquistas importantes para o conjunto das organizações de trabalhadores e trabalhadoras do campo, no âmbito da luta por políticas públicas, na medida em que introduziu a educação do campo na agenda de lutas e de trabalho de um número cada vez maior de movimentos sociais e sindicais desses trabalhadores, o que vem pressionando sua inclusão na agenda de alguns governos municipais, estaduais e também na agenda do governo federal. Este movimento busca afirmar a necessidade de uma educação que extrapole o nível da escola formal, conforme é explicitado por Caldart (2004, p.16): “temos direito ao conjunto de processos formativos já constituídos pela humanidade; e que o direito à escola pública do campo, pela qual lutamos, compreende da educação infantil à Universidade”.
A proposta “Por Uma Educação do Campo” se constitui em uma luta dos povos do campo por políticas públicas que assegurem o seu direito à educação e a uma educação que seja no e do campo, segundo Caldart (2004, p149): “No: o povo tem direito a ser educado onde vive; Do: o povo tem direito a uma educação pensada desde o seu lugar e com a sua participação, vinculada a sua cultura e às suas necessidades humanas e sociais”. A perspectiva da luta dos povos do campo por educação ocorre no campo das políticas públicas, porque busca universalizar o acesso de todo o povo à educação, porém uma educação de qualidade, uma educação que forme pessoas como “sujeitos de direito”.
Nesse sentido, o Ministério da Educação passou a preocupar-se em equacionar uma agenda especifica para a educação do campo. Assim, com muitas lutas e união dos movimentos sociais do campo, avança a consciência da necessidade de política pública para a educação do campo. Reafirmamos que os movimentos sociais organizados do campo continuam na luta pela consolidação de uma educação do campo de qualidade que respeite as especificidades dos povos camponeses bem como todo o seu ambiente sociocultural e produtivo.
A luta pela Educação do Campo para o conjunto dos camponeses encontra respaldo na Constituição Federal de 1988, possibilita a participação dos sujeitos na elaboração de políticas públicas, incluindo a educação e traz um marco significativo para a qualidade da educação, seu artigo 215 estabelece:
Art. 205. A educação é um direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho (BRASIL, 1988, art.205).
A especificidade da Educação do Campo é reconhecida em dispositivos legais como o artigo 28 da LDB 9394/1996 que autoriza medidas de adequação da escola às peculiaridades da vida rural. Lei nº 9.394 de 20 de Dezembro de 1996. Estabelece as diretrizes e bases da educação nacional.
Art. 28. Na oferta de educação básica para a população rural, os sistemas de ensino promoverão as adaptações necessárias à sua adequação às peculiaridades da vida rural e de cada região, especialmente:
[...]
I - conteúdos curriculares e metodologias apropriadas às reais necessidades e interesses dos alunos da zona rural;
II - organização escolar própria, incluindo adequação do calendário escolar às fases do ciclo agrícola e às condições climáticas;
III - adequação à natureza do trabalho na zona rural.
Igualmente, as “Diretrizes Operacionais para a Educação Básica nas Escolas do Campo” (2002), em seu artigo 5º, estabelece que as propostas pedagógicas das escolas do campo “contemplarão a diversidade do campo em todos os seus aspectos: sociais, culturais, políticos, econômicos, de gênero, geração e etnia”.
Art. 5º: As propostas pedagógicas das escolas do campo, respeitadas as diferenças e o direito à igualdade e cumprindo imediata e plenamente o estabelecido nos artigos 23, 26 e 28 da Lei 9.394, de 1996, contemplarão a diversidade do campo em todos os seus aspectos: sociais, culturais, políticos, econômicos, de gênero, geração e etnia.
A Educação do Campo, ao tratar de uma especificidade, e pelo jeito de fazê-lo, configura-se como uma crítica à forma e ao conteúdo do que se entende ser uma política pública e ao modo de construí-la em uma sociedade cindida socialmente como a nossa (Caldart, 2008, p.43).
A Educação do Campo, que não nasceu como teoria educacional ou como política governamental, mas como práxis dos próprios trabalhadores do campo juntamente com seus aliados, tem em seu escopo central a emancipação dos indivíduos. Busca a formação humana e a construção de relações de cooperação associadas à produção material da existência no campo. Isso possibilita e estimula a busca da superação de uma visão pessimista da história, da vida social e das instituições educacionais. Renova a esperança de que outro mundo e outra educação são possíveis. Repõe o desafio permanente de fazer casamentos e refazer conexões de práticas e de saberes diversos.
O empenho de todos os profissionais, nesta etapa de desenvolvimento, conduziram a conquistas de bons frutos. Apesar dessa luta sempre aparecem novos desafios, principalmente diante do descaso do Governo Estadual que não reconhece o Tempo Comunidade nas Escolas de Alternância; o desmenbramento da Escolas da Superintendência de São Mateus; o corte no fornecimento da alimentação para os Educandos; a junção de turmas do 1º ao 5º ano e de 6º ao 9º ano; o não pagamento da merenda Escolar para os educandos da Educação Infantil; a paralização das obras das escolas dos Assentamentos; o corte dos Recursos de manutenção das Escolas e extinção dos Conselho de Escola. Apesar disso, vale a pena ressalatar a importancia destas escolas no Estado do Espirito Santo, pois quase todas as escolas do Campo vem tendo um bom desenpenho a nível estadual nas avalições do IDEB.
Frente a esta realidade, os camponeses chegaram a montar acampamento no Pátio da SEDU - Secretaria de Estado da Educação em Vitória ES. Neste acampamento "Paulo Freire" ressaltaram a importância da reafirmação da luta da classe trabalhadora, mantendo como pauta: a luta pela Educação do campo; o Direito a educação pública e de qualidade no campo; aprovação das Diretrizes das Escolas de Acampamento e Assentamento da Rede estadual de Ensino do Estado do ES; aprovação das Diretrizes operacionais da Educação do Campo; a manutenção e reconhecimento da pedagogia da Alternância em tempo integral nas escolas do Campo; o não Fechamento de escola do Campo e da Cidade. Afirmando que fechar escola é crime! Assim como a nucleação das turmas, que tem a intenção de implementar a terceirização do ensino; a afirmação da pedagogia do Movimento Sem Terra enquanto ferramenta de luta dos camponeses pela transformação social e Reforma Agrária Popular; a importância da pedagogia da Alternância enquanto patrimônio histórico dos camponeses/as; e a educação como direito fundamental, não mercadoria.
O Setor de Educação do Movimento Sem Terra – ES, durante o período de acampamento, confirma que, muito mais que unir campo e cidade, é importante unir enquanto classe trabalhadora, porque o capital explora trabalhadores do campo e da cidade. Esse é o grau de responsabilidade que, como classe trabalhadora, devem assumir coletivamente.
Atualmente, a escola tem o apoio das associações, poder público local, associação de pais e a Associação da escola em Alternância, mas um dos maiores apoiadores das Escola em Assentamentos e o Setor de Educação do MST, que nos ajudam a refletir sobre a proposta e a dialogar com o poder público estadual.
A nível de incidência a referida escola tem se destacando no Município em relação ao IDEB (Índice de Desenvolvimento da Educação). A escola tem se despontado entre as melhores em nível de aprendizado. Os resultados estão disponíveis no site do CAED - Índice de Desenvolvimento da Educação Básica[1], sistema de avaliação do IDEB a nível Estadual e Federal.
Para Cecília Geórgia Leal do 9º ano do Ensino Fundamental, "A Escola Três de Maio, é um exemplo de esforços e dedicação para todos os alunos, mesmo que talvez ela esteja perdendo um pouco de sua essência - a Pedagogia do MST, mas mesmo que isso esteja acontecendo, essa escola continua para mim sendo uma das melhores escola do campo. Entrei nesta escola com 4 anos de idade, passei a minha vida inteira estudando, crescendo e aprendendo em um lugar onde todos os professores se importam com os alunos. Enfim, a escola é um local onde nos aprendemos a lidar com as pessoas do mundo, um local onde nos crescemos, amadurecemos e nos tornamos quem queremos ser".
Os alunos da escola Três de Maio, após concluir seus estudos no assentamento vão para o ensino médio regular na cidade de Pedro Canário e muitos continuam no modelo de alternância na cidade de Montanha, como técnico em agropecuária na Pedagógica da Pedagogia da Alternância. Em geral os jovens que foram alunos desta escola, estão em diversos ramos no mercado de trabalho, muitos com curso superior completo, outros cursando, alguns no meio político, como é o caso do Secretario de Agricultura do Município, assentado e ex-aluno da Três de Maio. Mesmo que tenham que sair do campo mantém sua identidade camponesa por onde quer que ande.
[1] http://ideb.inep.gov.br/resultado/resultado/resultado.seam