A luta de Pilões na conquista da terra
A fazenda Pilões tem uma área de pouco mais de 780,4625 hectares, declarada no INCRA sob o Nº 309.060.039.624, em diversos registros, sendo que os posseiros, conforme relatado anteriormente, fazem uso de apenas 175 hectares.
Inicialmente a ocupação tinha interesse na Reforma Agrária Oficial, passando por vistoria do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária – INCA, durante os dias 08 a 23 de maio de 2012, na ocasião foi detectada uma área de Preservação Permanente – APP de 145,012 hectares; 07,058 hectares de afloramento rochoso e corpos d’água; e 254,912 de Mata Atlântica, configurando como reserva de floresta estacional, mas não averbada em suas matrículas (Leis Federal nº 11.428/2016 e Estadual nº 10,431/2006).
De acordo com a resolução nº 05, de 29 de março de 2012, art. 1º, Inciso II, a área da propriedade é equivalente a 13 módulos fiscais, classificando como média propriedade[1], de acordo com a legislação vigente que trata do cálculo da capacidade de assentamento acerca da capacidade de geração de renda do imóvel, tendo como parâmetro as atividades tradicionais da agricultura familiar regional.
Tendo como referência os parâmetros relacionados nos incisos 1º e 2º do artigo 6º da lei 8.629/93, o INCRA conclui, em seu laudo, que o imóvel demonstra a incapacidade técnica tornando-o improdutivo; parte do imóvel também consta como terra pública devoluta (inexistência de uma matrícula válida no cartório de registro de imóveis) e recomenda o prosseguimento do Processo Administrativo nº 54160000666/2012-04 em virtude dos índices apurados.
Em março de 2015, uma Comissão Técnica coordenada pela Comissão Pastoral da Terra e pelo movimento CETA, fez um Parecer Técnico de Contestação ao laudo do INCRA (ART n° BA2015.042664) chegando a seguinte conclusão: Na Fazenda Pilões de Jacobina/BA, a presença da vegetação secundária em estágio inicial e médio de regeneração pertencente ao ecossistema do tipo florestal estacional semidecidual do Bioma Atlântica[2] não colide com a legislação que normatiza o tema no Brasil, podendo, desse modo, ser objeto de um Plano de Desenvolvimento Sustentável que contemple inclusive a o aproveitamento racional por meio de um sistema agroflorestal (SAF) associado a outras atividades não madeireiras pouco impactantes que venha gerar desenvolvimento socioeconômico para as famílias posseiras e para o município de Jacobina/BA.
Em 10 de junho de 2015, houve uma reunião da contestação do Laudo do INCRA, que afirma ter arquivado o processo pelas condicionantes impeditivas para viabilidade de Assentamento nos moldes da Reforma Agrária. Nesse contra laudo, o movimento CETA questiona o parecer do INCRA, principalmente os cálculos dos fatores agronômicos desfavoráveis à Portaria do Ministério do Desenvolvimento Agrário – MDA, Nº 05 (custo por família fora dos padrões fixados) e o modo de ocupação[3] da área, já que o INCRA questiona o descumprimento da reintegração de posse, inclusive com liminar concedida.
Mesmo assim, o INCRA afirma que há fragilidade no Laudo de Contestação, visto que o embasamento técnico de informações contidas no referido documento é insuficiente, além de não trazer nenhum fato novo; segundo o INCRA, a proprietária já havia recebido a comunicação oficial de arquivamento do processo Nº 54.160.000.666/2012-04. Como a maioria dos presentes na reunião entenderam que não foi apresentado nenhum fato novo que possa mudar o entendimento quanto viabilidade de criação de Assentamento na referida área, o posicionamento adotado foi a sugestão de uma nova área para vistoria.
Durante esse período os posseiros tiveram três Ações de Reintegração de Posse, (Processo nº 0000046-49.2003.8.05.0137), todas elas revertidas pelos ocupantes com o apoio do Movimento CETA em Parceria com a Comissão Pastoral da Terra e Assessoria Jurídica da Associação dos Advogados do Trabalhadores/as Rurais da Bahia. A área se consolidou, ao longo dos anos como posse, mansa, pacífica e contínua já que os pretensos proprietários do imóvel não atendiam a exigência constitucional de cumprimento da função social da terra.
A inviabilidade para reforma Agrária, a comprovação da existência de TERRAS DEVOLUTAS[4] (terra pública do Estado) e a resistência dos camponeses(as) na área favoreceu ao Procedimento Discriminatório: destinado a assegurar a discriminação, delimitação e destinação, prioritariamente para a Reforma Agrária (assentamentos de famílias acampadas e posseiros).
A Coordenação de Desenvolvimento Agrário (CDA), departamento da Secretaria de Desenvolvimento Rural (SDR), publicou a Portaria nº 038/2015, em 16 de setembro de 2015, a qual criou a Comissão Especial de Discriminação de Terras Devolutas com a seguinte conclusão: “diante dos importantes indícios de que o aludido imóvel se assenta em terras públicas Estaduais, rurais e devolutas, evidenciadas pela falta de comprovação do destaque do patrimônio público para o particular e sua consequente irregularidade da cadeia dominial, a deflagração de um Ação Discriminatória Administrativa Rural não é só admissível, como absolutamente necessária”
Concretamente, existia interesse e compatibilidade com a Reforma Agrária assentado no Procedimento Administrativo da CDA, quando, em diversos momentos, ressaltava o interesse da Sociedade Civil Organizada, materializada pelo Movimento (CETA), em acompanhar a discriminatória e garantir a efetivação da Reforma Agrária. Ademais, o órgão, por excelência, promotor da Reforma Agrária, o INCRA, já havia manifestado interesse desde a primeira vistoria, já que os supostos proprietários não conseguiam fazer prova de 604,05 hectares. Com estes dados, supõe-se que, mais de 77 % da área de Pilões equivale a terra pública devoluta do Estado, objeto da Ação Discriminatória ora mencionada.
Nesse caso, a experiência de pilões é pioneira na região. Uma das primeiras áreas do Movimento social que passa por esse procedimento de regularização do território (área devoluta) via Governo do Estado[5]. Um campo vasto para repensar o acesso à terra (em média 56% da área do estado é considerada terra pública). Atualmente as partes foram ajuizados e os posseiros estão aguardando a decisão jurídica para finalização do procedimento para o assentamento definitivo na área.
[1] Lei nº 8629, de 25 de fevereiro de 1993. Art. 4º Para os efeitos desta lei, conceituam-se:
II - Pequena Propriedade - o imóvel rural:
- De área compreendida entre 1 (um) e 4 (quatro) módulos fiscais;
III - Média Propriedade - o imóvel rural:
- De área superior a 4 (quatro) e até 15 (quinze) módulos fiscais;
Parágrafo único. São insuscetíveis de desapropriação para fins de reforma agrária a pequena e a média propriedade rural, desde que o seu proprietário não possua outra propriedade rural. (http://www.incra.gov.br/tamanho-propriedades-rurais)
[2] Lei Federal da Mata Atlântica (LEI Nº 11.428, DE 22 DE DEZEMBRO DE 2006).
No Artigo nº 25 e Parágrafo Único do capítulo IV - DA PROTEÇÃO DA VEGETAÇÃO SECUNDÁRIA EM ESTÁGIO INICIAL DE REGENERAÇÃO estabelece:
Art. 25 - “O corte, a supressão e a exploração da vegetação secundária em estágio inicial de regeneração do Bioma Mata Atlântica serão autorizados pelo órgão estadual competente”
Parágrafo único. O corte, a supressão e a exploração de que trata este artigo, nos Estados em que a vegetação primária e secundária remanescente do Bioma Mata Atlântica for inferior a 5% (cinco por cento) da área original, submeterse-ão ao regime jurídico aplicável à vegetação secundária em estágio médio de regeneração, ressalvadas as áreas urbanas e regiões metropolitanas.
No Artigo nº 23 e inciso III de seu CAPÍTULO III – DA PROTEÇÃO DA VEGETAÇÃO SECUNDÁRIA EM ESTÁGIO MÉDIO DE REGENERAÇÃO:
Art. 23º. O corte, a supressão e a exploração da vegetação secundária em estágio médio de regeneração do Bioma Mata Atlântica somente serão autorizados:
III- quando necessários ao pequeno produtor rural e populações tradicionais para o exercício de atividades ou usos agrícolas, pecuários ou silviculturais imprescindíveis à sua subsistência e de sua família, ressalvadas as áreas de preservação permanente e, quando for o caso, após averbação da reserva legal, nos termos da Lei nº 4.771, de 15 de setembro de 1965.
[3] O Decreto 2.250/1997 que impede que se dê início, ou tenha andamento, vistoria, avaliação ou qualquer outro procedimento de cunho expropriatório sobre o imóvel objeto de invasão; posteriormente, a medida provisória que impede a desapropriação por dois anos, em caso de ocupação – portaria MDA nº 62, no ano de 2001.
[4] Segundo o INCRA: “verifica-se que as áreas registradas, ourindas das matrículas iniciais mencionadas, não há como serem demarcadas fisicamente dentro da área maior, posto que, o restante da área como sendo de terras devolutas (…). Assim, fica demonstrado que pelo fato de não haver demonstração cartorária equivalente a mais de 75% do perímetro informado, é imperioso, que a intervenção fundiária seja realizada pelo Estado da Bahia, via seu órgão encarregado”.
[5] CE. Art. 187 - O Estado, através de organismo competente, desenvolverá ação discriminatória visando a identificação e a arrecadação das terras públicas como elemento indispensável à regularização fundiária, que se destinarão, preferencialmente, ao assentamento de trabalhadores rurais sem terra ou reservas ecológicas.