A política de Reforma Agrária no Brasil e a luta de Pilões
As famílias antes do acampamento viviam de diárias na cidade de Jacobina e nas fazendas no entorno da cidade. Atualmente, vivem 15 famílias na área e mantêm-se com produção agrícola diversificada e pequenos criatórios. Por meio desse modo de vida camponês, vêm criando condições de vida digna no local e nutrindo a esperança na construção de dias melhores, através do acesso a políticas públicas que garantam a permanência na terra e incentive a produção agrícola sustentável na área.
Nota-se que o sonho de acesso à terra, teoricamente no Brasil e especificamente no Estado da Bahia, a depender da situação em que se encontra a propriedade, pode ser conquistada por vias distintas das que os movimentos sociais do campo tanto insistem. Nesse caso de Pilões especificamente, desde 2002 o INCRA já recomendava o Procedimento Discriminatório, já que de acordo com a Lei nº 8.629/93, no art. 4º, II, a fazenda pilões não atendia os parâmetros de classificação fundiária do imóvel rural para desapropriação. Os latifúndios disponíveis para a política de reforma agrária devem ter uma área superior a 15 (quinze) módulos fiscais - grande propriedade, mesmo assim, o contra laudo, produzindo pela as entidades, chegou a sugeri novas áreas para a desapropriação pelo não cumprimento da Função Social da Propriedade[1]. Segundo o movimento, além do acesso à terra, essa via possibilita as políticas públicas da reforma agrária como direito à moradia, crédito e infraestrutura.
Contudo, a burocracia do INCRA, a elevação do preço das terras e a forte especulação dos recursos naturais no Brasil que obriga o Ministério do Desenvolvimento Agrário - MDA a instituir portarias que contrariam a Constituição Federal de 1988, rebaixou o número de desapropriações a zero, em 2017. Podemos destacar a portaria nº 05, em que os parâmetros neoliberais estabeleceram e elaboração de um Estudo de Capacidade de Geração de Renda desrespeitando os anseios dos camponeses sobre o território.
Sem perspectivas via INCRA e com fortes indícios de terras devolutas, a única saída para barrar a pressão do judiciário contra os posseiros foi a Discriminatória Judicial, mas isso só aconteceu 14 anos depois do laudo desfavorável do INCRA.
Diante dessa realidade, foi aberto o Procedimento Discriminatório em 2016, assegurados na seguinte legislação:
- A Lei Estadual (n.º 3.038) da Bahia que pleiteia, desde 1972, a regularização fundiária de suas terras;
- A Constituição Estadual da Bahia que institui um organismo competente para desenvolver a ação discriminatória visando a identificação e a arrecadação das terras públicas como elemento indispensável à regularização fundiária, que se destinarão, preferencialmente, ao assentamento de trabalhadores rurais sem terra ou reservas ecológicas (CE. 89, Art. 187);
- A definição da Secretaria da Agricultura, Pecuária, Irrigação, Reforma Agrária, Pesca e Aquicultura – SEAGRI como organismo competente para a identificação, demarcação e regularização das terras públicas estaduais, rurais e devolutas, ocupadas pelas comunidades (Lei Nº 20.417/2003);
- A Prioridade da regularização fundiária das terras públicas estaduais, rurais e devolutas, ocupadas pelas comunidades [...] (Art. 4º - § 3º); no caso de resistência a discriminação far-se-á judicialmente [...] (LEI 3442/1975, Art. 9º - § 2º).
A Gleba/Fazenda Pilões é objeto de um procedimento administrativo – Discriminatória iniciada pela CDA, e três ações judiciais - Ação de Reintegração de posse nº 0000046-49.2003.8.05.0137 (3ª Vara Civil de Jacobina), Embargos de Terceiros, tramitando na mesma vara e Ação Discriminatória Judicial nº 0500380-69.2016.8.05.0137 (1ª Vara da Fazenda Pública de Jacobina). A Discriminatória Administrativa foi suspensa, porque a representante legal do espólio não atendeu ao edital da CDA e não se habilitou, somente os posseiros/ocupantes se habilitaram. A CDA, suspendendo o procedimento administrativo, e a PGE, ajuizando a ação discriminatória, agiram conforme determina a lei.
Um dos requisitos fortes para a Discriminatória Judicial, trata-se especificamente desse § 2º do artigo 9º da Lei 3442/1975 descrita acima, já que mesmo com o procedimento Administrativo nº 54160 – 000666/2012 – 04 em curso, tramitava na 3ª Vara de Feitos de Rel de Cons. Cível e Comerciais da Comarca de Jacobina, a Ação de Reintegração de Posse sob nº 0000046-49.2003.8.05.0137, requerendo a imediata desocupação da área pelas famílias. Tal pedido fora deferido pela primeira vez, no final de 2011, porém, tal decisão fora cassada pelo Tribunal de Justiça da Bahia nos autos do Mandado de Segurança nº 0015534-70.2011.8.05.0000.
Em março de 2014, a decisão do Tribunal de Justiça da Bahia foi cassada voltando a ter efeitos. Tornando-se uma grave ameaça à segurança alimentar das famílias acampadas há mais de 13 anos, além de ameaçar o procedimento Administrativo que poderia ser arquivado. Porém, após a apreciação de recurso e considerando a importância da área para a Reforma Agrária, o INCRA-BA afirma o interesse em ingressar na lide, tendo em vista a tramitação do procedimento administrativo 54160 – 000666/2012 – 04.
Em 2015, a Ação de Reintegração de Posse sob nº0000046-49.2003.8.05.0137, o processo é retomado, mas como o procedimento Discriminatório Judicial, segundo a dicção da lei de regência, tem caráter preferencial em relação às ações que envolvem o domínio ou a posse de imóveis situados em área discriminada fica suspenso as partes, como ao juiz, a prática de qualquer ato processual. Comparecendo, o réu, em juízo, apenas para arguir a nulidade da citação e, sendo esta decretada e o réu intimado da decisão. Dessa forma, no ato das discriminatórias foram recomendadas:
- A suspensão da Ação de Reintegração de Posse n° 0000046-49.2003.8.05.0137, e todas as demais demandas que versem sobre o domínio ou posse da área a ser discriminada, bem como e principalmente, qualquer ato executório de cumprimento de decisão, na 3ª Vara Cível de Jacobina;
- Suspensão do cumprimento do Mandado de Reintegração de Posse nº 37.2016/000928-6, em vias de execução;
- Comunicar a suspensão do Mandado de Reintegração de Posse acima referido Polícia Militar – 24ª CIPM de Jacobina;
- Notificação ao E. TJ/BA a fim suspender o julgamento dos recursos, evitando-se desta forma a existência de decisões contraditórias quanto à dominialidade da área;
- Oficiar o Cartório de Registro de Imóveis para averbação da tramitação da presente ação ao pé dos registros indicados nas certidões de inteiro teor anexadas ao processo discriminatório (artigo 167, inciso I, 21, da Lei no 6.015/73) dentre outros [...]
Sendo assim, ficam suspensas, por prejudicialidade de todas as ações que versem sobre o domínio ou posse da área ora discriminada, em especial da Ação de Reintegração de Posse n° 0000046-49.2003.805.0137, bem como e principalmente o Mandado de Reintegração nº 37.2016/000928-6, qualquer ato executório de cumprimento de decisão.
Os posseiros de pilões mostraram em todo processo uma constante resistência na luta pela conquista e permanência na terra e pela sobrevivência a partir dela, com sua organização ligada ao Movimento Estadual de Trabalhadores Assentados, Acampados e Quilombolas - CETA, assessoria da Comissão Pastoral da Terra (CPT) e da Associação de Advogados de Trabalhadores Rurais (AATR), hoje a comunidade já adquiriu mais autonomia política.
[1] A função social é cumprida quando a propriedade rural atende, simultaneamente, segundo critérios e graus de exigência estabelecidos em lei, aos seguintes requisitos:
I - Aproveitamento racional e adequado;
II - Utilização adequada dos recursos naturais disponíveis e preservação do meio ambiente;
III - Observância as disposições que regulam as relações de trabalho;
IV - Exploração que favoreça o bem-estar dos proprietários e trabalhadores (CF, 1988. Art. 186).