Num país historicamente marcado pelo latifúndio, ter acesso a terra através da compra, como determina o ordenamento jurídico brasileiro, é uma tarefa árdua. A primeira parcela que hoje corresponde à Fazenda Lage foi adquirida pelo Senhor Melquíades Spíndola há quarenta e cinco anos:
"Eu era solteiro e fui trabalhando e juntando dinheiro desde que comecei a trabalhar, ainda bem pequeno. Trabalhei desde os cinco anos de idade. Com 26, em 1970, consegui comprar 13 alqueires. Em 1975, comprei mais 5 e em 1981 comprei mais 5, aí ficou os 23 alqueires de terra que tenho até hoje".
Em 1972, o senhor Melquíades se casou com Dona Maria de Fátima. Eles haviam construído uma casa. A residencia era pequena e modesta, de adobe, mas com cobertura de telhas, uma novidade na região. A maior parte das casas da região era coberta apenas com palhas.
Naquela época, o trabalho era todo dividido entre o Senhor Melquíades e Dona Maria de Fátima. Eles plantavam de tudo na roça, toda plantação era manual e sem o uso de venenos, adubos químicos, etc. Plantavam arroz, feijão e milho, principalmente. Na época da colheita, conforme o costume da região, os vizinhos vinham ajudá-los, da mesma forma que eles também prestavam auxílio a seus vizinhos.
Eles viveram sob a luz da lua e das lamparinas por décadas. Com o passar dos anos, a família instalou um sistema de fornecimento de energia por gás butano; também uma novidade na região. Em 2001, a energia elétrica foi instalada na residencia da família e trouxe um pouco de conforto e melhoria econômica. Com a chegada da energia elétrica ficou mais simples conservar o leite e os queijos que eram produzidos na propriedade.
Mas, outras coisas foram se complicando na vida da família, conta Dona :
"Em 2002 veio uma chuva muito forte e destruiu nossa casa. Ela já estava muito velha e não aguentou. Aí nós construímos essa casa nova, finalmente".
Além disso, Senhor Melquíades sofreu um Acidente Vascular Cerebral (AVC), perdendo parte dos movimentos do corpo. A partir de então, Dona passou a ser responsável por todo o trabalho na propriedade. As filhas estavam na cidade para estudar, pois nesta época não havia transporte escolar.
"Quando ele ficou doente, a gente parou de mexer com roça e ficamos só com o gado porque eu não ia conseguir fazer tudo sozinha. Eu fiquei sozinha cuidando do gado, tirando o leite, entregando pro leiteiro. Fiquei até doente, a mão toda ruim. Aí depois não aguentei mais e chamei um rapaz pra tirar o leite. Hoje ele tira o leite, eu faço a feira".
Duas das três filhas do casal se casaram e voltaram para o campo. Edivânia, o marido e os filhos permaneceram nas terras da Fazenda Lage, também retirando dali o sustento. Ao total, cinco pessoas viviam e trabalhavam nas terras da família até 2001. Neste ano, o marido de Edivânia faleceu. Ela, mais uma vez optou por permanecer junto à terra e aos pais. Porém, tomou a frente da iniciativa social e econômica que havia brotado com seu marido: A Associação dos Produtores Rurais da Região do Criminoso e Silveira. A persistência de Edivânia e o apoio de toda a família e vizinhos, não permitiram que com o falecimento do marido dela, então presidente da Associação, a iniciativa perdesse animo e vigor.
Eliene, que também é filha de Melquíades, vive com o esposo e os filhos na terra dos sogros. É vizinha da Fazenda Lage e também membro ativo da Associação e da Cooperativa – cujo início foi fruto de sua persistência e coragem.