Em 1995, Adiva Nunes Pereira e seu esposo José Pereira realizaram um sonho que alentaram por 20 anos: conseguiram comprar um pedaço de terra e voltar a viver do que suas mãos produziam no campo. O casal juntou todo o dinheiro que a família tinha economizado por anos, vendeu algumas propriedades e comprou os direitos de posse de 2,5 hectares. A posse estava localizada na Fazenda Conceição, a 13km da cidade de Niquelândia, onde a família residia.
Eles sabiam que era uma posse, ou seja, a área não estava legalizada, mas ser posseiro era um costume muito difundido na região e não os assustava. O mais importante era retornar ao campo, conta Adiva:
“Quando comprei a posse não tinha anda aqui, nem água nem energia elétrica, usávamos lamparina. Só tinha um barraco lá que era preciso abaixar para entrar dentro. Era um barraco de pau a pique, de dentro via se tudo para fora e vice versa”.
Na época, pagaram R$ 5 mil pela posse e logo construíram um barraco de tábuas, mas que lhes davam melhores condições para viver. A comunidade era constituída por apenas seis posseiros.
Dois anos depois, em 1997, o Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Niquelândia organizou um grupo de camponeses sem-terra que ocupou e reivindicou a desapropriação da Fazenda Conceição para a Reforma Agrária. Supostamente, a Fazenda pertencia ao Grupo Votorantim, que operava a Companhia Níquel Tocantins.
O município de Niquelândia é o maior produtor de níquel do Estado de Goiás e um dos maiores do mundo. Além disso, possui outros 120 tipos diferentes de minérios em seu subsolo, como ouro, cristal, cobre, cobalto, etc. As jazidas de Níquel foram descobertas em 1904, mas o primeiro lote de níquel só foi explorado em 1981, pela então Companhia Níquel Tocantins, já de propriedade do Grupo Votorantim. O Grupo Votorantim é um dos maiores conglomerados industriais do país, pertencentes à família Ermírio de Moraes, grandes industriais paulistas e proprietárias de uma das maiores fortunas do mundo.
Os antigos moradores relatam que durante as décadas de 70 e 80, a Companhia Níquel Tocantins “adquiriu” todas as glebas de terra que conseguiu na região; assim como o Grupo Codemim, outro grupo que começava a explorar o minério no município. As empresas haviam realizado prospecções em várias áreas do município e sabiam que estas terras guardavam riquezas infindáveis em seu subsolo. A forma de “adquirir” as terras foi a usual no Brasil, a expulsão dos posseiros que já residiam no local, a falsificação de documentos em cartórios, a apropriação indébita de mais terras do que o que havia sido legalmente adquirido; o engano dos camponeses, aos quais era solicitado que lhes assinassem papéis, etc. (2). Foi um processo lento, diluído no tempo, realizado de forma que os pequenos proprietários, pouco puderam fazer para evitar o processo de tomada de suas terras pelas empresas. Além disso, as empresas possuíam todo o poder necessário para despojá-los, advogados caros, provas forjadas, etc.
Conhecedores destes fatos, o Sindicato e os camponeses decidiram ocupar a Fazenda Conceição, supostamente propriedade da Companhia Níquel Tocantins. Mas parte da Fazenda já estava ocupada pelo grupo de posseiros, entre os quais Adiva e seu marido José. Três famílias de posseiros decidiram se retirar da posse, mas Adiva, José e outras três famílias decidiram fazer da luta dos sem-terra sua luta:
“Eu fiquei no mesmo sentido que eles, eles estavam acampados e nós apoiamos. Nós só tínhamos o documento do recibo de posse, quando os sem-terra entraram na mesma área, nós resolvemos unir com eles para ter documento da nossa terra” (Adiva Nunes).
Mas a luta pela a legalização da posse não foi fácil, conta Adiva:
“A Níquel falava que tinha os documentos da terra, mas não tinha. Eles estavam tentando tirar a gente da terra desde que compramos a posse, pelejaram muito, mas a gente aguentou. O pessoal dos sem-terra ficaram ocupando a terra por três anos até resolver a situação. No final, eles não comprovaram os documentos da terra e o INCRA desapropriou a Fazenda”.
Foram a juízo e a empresa não conseguiu provar ser proprietária da área. Após a resolução do litígio, o INCRA desapropriou a área e em fevereiro de 2000 criou o Projeto de Assentamento Conceição. Adiva e seu marido José conseguiram ser assentados, mas tiveram que começar uma vida nova, em uma nova área, já que os lotes da Reforma Agrária são sorteados. Mas, acabaram beneficiados, pois puderam escolher o lote que ocupariam:
“Quando mudamos para cá, tivemos que começar tudo de novo, não tinha nada feito aqui, não tinha nada plantado. Aí nos roçamos, fizemos um barracão de tábuas mesmo e recomeçamos nossa vida aqui” (Adiva Nunes).
Já no novo terreno, Dona Adiva e seu marido se depararam uma vez mais com uma terra bruta por trabalhar. Puseram mais uma vez as mãos à obra e só com muito trabalho manual foi possível converter as terras abandonadas em pasto e hortas produtivas, explica a agricultora:
“Quando peguei a terra a gente teve que melhorar ela, era bruta, não tinha nada, só tinha aqui eucalipto, aí o pessoal tirou os eucalipto e a gente foi limpar, limpar, plantamos e já fomos pondo capim para formar os pastos, até que a gente formou tudo e deixamos só um pouco para cultivar e tirar mantimento”.
Cinco anos depois, conseguiram um crédito para a construção da moradia de alvenaria junto ao INCRA. Receberam R$3 mil, mas o valor não era suficiente e completaram-no com suas próprias economias. Construíram, então, a residência na qual vivem hoje. Uma casa grande, com dois quartos, duas salas, cozinha e garagem. É uma casa simples, mas que pode abrigar toda a família de Adiva, que costuma vir passar os feriados e fins de semana no sítio. Adiva tem 4 filhos, seis netos e uma irmã, sendo que todos residem na cidade de Niquelândia e a visitam com frequência. A família toda, entre irmãos e sobrinhos, mais de 100 pessoas, reside quase toda no norte de Goiás e também visita-a frequentemente. Assim, Adiva se esforçou para construir uma casa que pudesse albergar toda sua família durante estas visitas.