Historia da demanda pelas terras e estratégia de acesso
Dada a localização remota dos locais habitados pelos Kalunga, estes escaparam durante séculos do “processo de apropriação territorial desigual e excludente, montado historicamente, em detrimento de grupos minoritários como é o caso das comunidades quilombolas do Brasil” (ALMEIDA, 2015). Durante cerca de três séculos os Kalunga viveram isolados, não havendo histórias de conflito ou de lutas pela propriedade das terras. As terras eram ocupadas e partilhadas considerando as necessidades de cada comunidade. O uso da terra e a economia eram de subsistência e em completa harmonia com a natureza.
De acordo com as pesquisas realizadas por Mari de Nasaré Baiocchi, as terras dos Kalunga começaram a ser griladas em 1942, quando se iniciou a expansão para o norte do estado de Goiás. A grilagem teria se aprofundado na década de 60, após a mudança da capital para Brasília, que fica a cerca de 250km do território tradicional Kalunga. Nas décadas posteriores, até 1990, mais de duas dezenas de mineradoras, empresas agrícola- pastoris e hidrelétricas também se apossaram de partes do território Kalunga.
A demanda dos Kalunga pelo reconhecimento do seu direito à propriedade das terras e consequente proteção do seu património cultural baseava-se na ancestralidade da propriedade e na afirmação da importância de preservar e proteger as comunidades tradicionais do Brasil. Até então, a preocupação normativa para com a proteção de espaços territoriais quilombolas era inexistente.
Mas esta luta só vai tomar um maior peso com a chegada da pesquisadora Mari de Nasaré Baiocchi, na década de 80. Ela foi a primeira pessoa a percorrer toda a comunidade, mapeá-la e realizar um estudo aprofundado sobre os Kalungas. A conquista do reconhecimento do território, como espaço de direito se deu com o inicio do projeto Kalunga Povo da Terra, pela pesquisadora Mari de Nasaré Baiocchi entre 1983 e 1998, que se uniu à comunidade e começou um forte processo de pressão. Logo, conseguiram estabelecer uma parceria entre os Kalunga, os membros do projeto, autoridades municipais, estaduais e federais.
O processo pode ser resumido em quatro grandes ritos: em 1975 se dá início à demanda; em 1991, o governo estadual reconhece o Sítio Histórico e Patrimônio Cultural Kalunga; em 2000, a comunidade é reconhecida pela Fundação Palmares e em 2014, a primeira parcela de terras é entregue definitivamente à comunidade.
Os Kalunga foram pioneiros em todo o país na luta pelo reconhecimento legal do território quilombola. Para fortalecer o processo de luta dentro do sitio histórico foi criada a associação Quilombo Kalunga, constituída na forma de sociedade civil, sem fins lucrativos e sem finalidade econômica. Foi criada em 10 de outubro de 1999 com o fim de representar os direitos do povo Kalunga no sitio histórico e patrimônio cultural defendendo-o de quaisquer ameaças que visem deteriorar a sua condição. Atualmente, a AQK é responsável pela gestão do território e empreende iniciativas visando o benefício do povo da região.
Em 30 de Junho de 2014 a Associação Quilombo Kalunga recebeu do INCRA (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária) o contrato de concessão de Direito Real de Uso (CCDRU), referente a 31 mil hectares do território tradicional onde vivem cerca de 600 famílias quilombolas Kalunga.