O processo de luta e construção do Assentamento Palmares II, o maior do estado e um dos maiores do Brasil, teve início em 1994, quando cerca de 2.500 famílias sem-terra ocupam uma área sob concessão da empresa Vale S. A., sendo em seguida despejadas. Sem desistirem, a luta pela regularização do assentamento segue com a ocupação da sede do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA), em Marabá, onde ficaram acampados ao lado da sede por seis meses. Ao saírem do acampamento, as famílias sem-terra andaram em marcha pela estrada até o município de Parauapebas, (cerca de 170km) e ocuparam a câmara municipal de Parauapebas, em 1996. Após esses anos de pressão, a área da antiga Fazenda do Rio Branco é finalmente desapropriada e dá lugar aos Assentamentos Palmares I e Palmares II, que passam a ser regularizados.
O caso de Palmares II torna-se especialmente inspirador por conta das iniciativas de caráter produtivo, cultural e formativo, que sempre foram valorizadas pelas famílias do assentamento, desde seus primórdios. Foi durante a ocupação em frente à sede do INCRA, em Marabá, em 1994, que a primeira escola começou a tomar forma. Organizadas pelos próprios acampados, as primeiras aulas foram ministradas embaixo de árvores. Clívia, diretora da escola Crescendo na Prática, lembra da época “Tinha muita criança de pais acampados. Então começamos a ver quem tinha habilidade no ensino e a organizar as aulas”. Ao longo dos anos, com a regularização do assentamento e através de muitas mobilizações, lutas e negociações com a Prefeitura, as escolas Crescendo na Prática e Sallete Moreno são hoje espaços onde o movimento se faz presente na formulação da pedagogia da formação das crianças. As escolas hoje contam com a maior parte de professores de dentro do assentamento, sempre levando a realidade da história das famílias, do território e da luta pela terra para a sala de aula dos educandos.
Nas palavras de Beth Trocate, assentada e militante do MST, o assentamento Palmares é a materialização da resistência:
"Se você chega em uma comunidade dessa, ampla, organizada, com muitas conquistas... Que não é uma comunidade que tá na concepção de muita gente. De achar que quem ta na zona rural, quem ta no campo tem aquela vida atrasada... Chegam numa comunidade dessa com asfalto, com posto de saúde com praças públicas, com três grandes escolas, às vésperas de ter uma escola de Ensino Médio: pra mim isso é a materialização da resistência" - Beth Trocate, Assentada e Militante do MST, 2018
Assim, a experiência do Assentamento Palmares II, é uma permanente experiência de resistência e inspiração no acesso à terra, onde as vidas marcadas pelo despejo tornam-se vidas marcadas pela esperança. Onde o habitar, conviver, comer e cuidar tomam o lugar do acumular e especular: A fazenda, antes um grande latifúndio improdutivo, pertencente a apenas uma família com algumas cabeças de boi, tornou-se lugar da moradia, da provisão de alimentos e do encontro para as mais de 10.000 pessoas que hoje lá habitam.
A prática do comer encontra sentido nesse espaço apropriado pelos camponeses à medida que, das poucas cabeças de gado que antes ocupavam a região, agora se produz alimentos. "Aqui eu produzo a mandioca, a galinha, o milho [...] o feijão", relata Beth. E comer não significa somente o suprimento energético, mineral e orgânico que mantém o humano biologicamente vivo, mas a prática cultural de conviver com os seus semelhantes, comer é também cultura e convívio. Beth relata ainda "[a gente] produz aquilo que minimamente garante a subsistência da minha família, de outras famílias que chegarem, de pessoas que podem chegar na minha casa a qualquer momento e ter aquilo pra gente oferecer, pra mostrar...".
Uma importante iniciativa que condensa a importância e o peso dado às atividades de formação e produção se deu na vicinal do Limão, onde uma porção do assentamento foi escolhida por famílias da região, dentre elas a de Beth, para produzir coletivamente. O grupo formado pelas famílias denominava-se “Filhos da Terra”, coletivo que se manteve até a criação, neste mesmo espaço, do Centro de Formação do MST, espaço para a formação e organização do movimento no sudeste do Pará. Mais tarde, o centro foi pensado para a construção do Instituto de Agroecologia Latino Americano Amazônico, o IALA Amazônico, inaugurado em 2011.