IALA Amazônico: educação como estratégia de acesso à terra
O Instituto de Agroecologia Latino Americano - IALA Amazônico - se constitui a partir da concepção de tornar-se espaço de reflexão sobre a expansão capitalista e as lutas sociais. A constituição do instituto é desdobramento da decisão dos movimentos sobre a educação e formação como elementos fundamentais de uma guinada na estratégia de acesso à terra que se constitui a partir de meados dos anos 1990. Assim, são forjadas alianças com universidades da região que vão resultar em relações profundas entre o movimento de luta pela terra e a universidade. O livro "Educação do Campo, Agroecologia e Questão agrária", um dos frutos dessa experiência, foi produzido no processo de construção do IALA Amazônico por seus educadores e educandos como resultado das discussões sobre a construção teórica e pedagógica a partir do lugar da luta pela terra.
O IALA Amazônico têm suas bases político-pedagógicas desenhadas e experimentadas entre 2011 e 2015, a partir da experiência dos cursos de residência agrária em suas duas primeiras turmas, denominadas “Índia Tuíra”[1] (2011-2012), e “Seu Sabá”[2] (2013-2015). Essas turmas contaram com cerca de 46 educandos de, pelo menos 7 estados brasileiros e 1 equatoriana. O objetivo era reunir experiências de luta e acesso à terra em um processo pedagógico para formar e produzir conhecimento a partir das lutas concretas. O entendimento se tratava de uma “ação educativa inserida em territórios de lutas sociais e, portanto, imersos nos contextos dessas lutas e com demandas de urgência dos agentes que lutam”. Assim o desafio inicial do IALA Amazônico se deu nas circunstâncias de construir um programa político-pedagógico com opções teóricas e metodológicas compatíveis com a luta pela terra e seus conflitos na Amazônia, de forma que se fosse possível explorar a diversidade de experiências de acesso à terra e de formas de exploração e espoliação.
A Questão da Terra na Construção do IALA
Destaca-se na sua construção, uma espécie de reviravolta no pensamento crítico a partir das lutas na Pan-Amazônia, considerando as particularidades que a região guarda em relação à diversidade de situações de exploração e espoliação. Seja ela em relação à mercantilização da terra, da água ou mineral, seja em relação à diversidade de formas de territorialidades e resistência que guardam formas de sentir e de pensar o território, que são constantemente ignoradas pelo pensamento hegemônico, incluindo o pensamento crítico. É partindo dessa interpretação, que emana de demandas concretas dos movimentos sociais envolvidos, em particular da Via Campesina, que se funda a prática de constituir uma outra forma de construção de conhecimento no IALA Amazônico.
O diálogo com leituras críticas convencionais, sem prescindir a existência de relações, atores e formas de sentir e pensar ignoradas pela expansão capitalista na região, se coloca como primeiro princípio teórico-político para a construção curricular. Como segundo princípio orientador, deve-se considerar também de forma horizontal e equivalente aos educadores, as formas dos educandos de sentir e pensar o território, forjadas a partir das suas experiências concretas nas dinâmica conflitivas, considerando que são os próprios protagonistas de uma grande diversidade de experiências. Assim, como terceiro princípio orientador, busca-se novas formas e novos horizontes para a teoria crítica quando confrontada por outras visões de sentido, a partir da luta, de forma que sua construção seja sempre aberta.
Dessa forma, as opções metodológicas também não poderiam ser convencionais. De modo a trazer concretude aos princípios definidos, os mapas de conflitos produzidos em diálogo com os educandos foram como pontos de partida que vão das realidades concretas vividas à formação. De modo complementar, a experimentação destas realidades de conflito e acesso à terra é proporcionada pelos trabalhos de campo, onde as discussões teóricas se encontram nas distintas realidades dos locais visitados como fomentadoras da interpretação e discussão concreta das lutas pela terra.
O espaço do IALA, além de ser palco de uma outra formação, que desafia os caminhos oferecidos pelas instituições "comuns" e constrói discutindo horizontalmente sobre temas que permeiam a realidade da vida, é local de práticas que vão de encontro a esses ideais. Parte da mata ciliar do rio Parauapebas, que havia sido desmatada, foi reflorestada pelos educandos e educadores, utilizando sementes criolas de espécies nativas. O IALA conta também com um banco de mudas dessas plantas criolas, que são doadas aos agricultores do assentamento, para construção da soberania de produção alimentar sem utilização de agrotóxicos. Além disso, foi construído por mutirão, a Casa de Sementes, que também atua fortalecendo a relação de solidariedade e ajuda mútua entre as famílias de agricultores, uma vez que lá, tanto de recebe, quanto se doa sementes criolas.
A constante luta para que se mantenha a soberania, tanto alimentar, quanto de uma pedagogia que seja pautada na realidade da luta pela terra são prioritárias no que diz respeito ao Instituto. As famílias responsáveis por sua manutenção, mesmo enfrentando dificuldades financeiras em alguns momentos, têm clareza da decisão de manter o IALA fora de projetos privados e afins. A independência intelectual e produtiva é colocada em primeiro lugar, uma vez que ela permeia todo o processo da própria criação da metodologia e do Instituto em si. Esse aspecto influencia nos projetos e faz com que os projetos futuros a serem implementados no IALA precisem ser cuidadosamente pensados e desenhados. Levando em conta esta realidade, as famílias e educadores envolvidos em sua constante construção realizarão em Julho de 2019 um seminário, marcando os 10 anos do IALA, onde suas diretrizes, novos projetos e caminhos futuros serão discutidos e traçados.
[1] Referência a Tuíra, do povo Kayapó, que em 1989 tocou o rosto do então presidente da Eletrobrás com seu facão, em ato de resistência à construção da Usina Hidrelétrica (UHE) de Kararaô, que inundaria territórios dos povos do Xingu. Anos depois o projeto viria denominar-se UHE Belo Monte.
[2] Referência ao camponês conhecido como “seu Sabá”, assentado de Reforma Agrária na região de Belém-PA, referência da prática agroecológica na Amazônia e brutalmente assassinado em 2012.