A RESISTENCIA DA GLEBA SERRINHA
A Comunidade Serrinha se soma a mais de 170 grupos de camponeses (as) que estão em processo de luta pela terra no Tocantins. Muitas famílias estão vivendo em ocupações ou acampamentos há mais de dez anos; enfrentando violência e pobreza, debaixo de lona preta. Mas, se mantém fortes, porque o sonho de conquistar a terra tem sido a força que move mulheres e homens a permanecerem desafiando e resistindo ao medo e à exclusão social.
A luta pela terra no Tocantins nunca foi uma batalha fácil, pois, existiu e ainda existe uma forte oligarquia rural que domina as terras privadas e públicas em forma de grandes latifúndios. Essa caótica situação fundiária,encontra-se também na região Nordeste do Estado: que compreende os municípios de Barra do Ouro, Goiatins, Campos Lindos e etc. Nessa região, ainda é muito prevalente, a prática da grilagem de terra, que se articula aos cartórios e a outras forças políticas da região[4]. Sendo um exemplo, o Instituto de Terra do Tocantins (ITERTINS) que tem sido alvo desde 2010, de denúncias e investigações a respeito de titulações de terras da União de forma indevida, beneficiando grupos de grileiros e latifundiários.
Com a crise política brasileira dos últimos anos, a situação se agravou ainda mais, pois, a volta ao poder da direita neocolonial em meados de 2016, provocou mudanças na estrutura dos órgãos que competem à execução do Programa Nacional de Reforma Agrária e da regularização fundiária. Reduziu-se o orçamento dos programas, aumentando a inoperância e os transtornos nos processos administrativos.Com a extinção do Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA), da Ouvidoria Agrária Nacional (OAN) e a desestruturação do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA) e da Secretaria Especial de Regularização Fundiária na Amazônia Legal (SERFAL), complicou ainda mais a efetivação das políticas públicas da reforma agrária e da regularização fundiária.
Esse retrocesso tem gerado impacto direto nas demandas das comunidades em situação de acampados, ocupantes e posseiros, visto que, os processos administrativos de regularização fundiária e criação de assentamento, que estavam com avanços importantes no INCRA e Terra Legal, estagnaram. Vale ressaltar que a reforma agrária nunca foi prioridade para os governos brasileiros, mas essas novas medidas pós “Golpe”, tem regredido ainda mais o desempenho institucional dos órgãos públicos. Aliado a isso, está a corrupção dentro de alguns órgãos públicos, que beneficia a oligarquia rural e a grilagem de terras nas fronteiras econômicas, travando o avanço da Reforma Agrária[5].
Além da morosidade dos órgãos públicos, para atender a demanda por reforma agrária, as famílias enfrentam a violência dos latifundiários e grileiros: queimas de casas, destruição de roças, ameaças e intimidação por parte de pistoleiros, que agem em forma de bandos para limpar as áreas ocupadas por famílias sem terras. Contudo, a violência contra famílias sem terra tem se tornado uma prática privada (uso da pistolagem), mas em alguns casos,com conivência de instituições do Estado brasileiro, uma vez que, pouco tem sido feito para apurar os casos de conflito no campo;e ainda tem havido um aumento da repressão e da truculência contra as lutas sociais.
Diante disso, os grupos de luta pela terra e território do Tocantins têm avançando na organização e na formação política das famílias camponesas, objetivando o fortalecimento coletivo para fazer avançar a garantia do direito à terra.Nesse sentido, os grupos sem terra e posseiros da região Nordeste do Tocantins e da Região Centro Norte, têm se organizado na Articulação Camponesa de Luta Pela Terra e Defesa dos Territórios, que é uma organização autônoma, constituída por treze comunidades camponesas, incluindo a Serrinha, que estão em situação de resistência e conflito agrário. A Articulação foi criada em 2011, por camponeses (as)que mantém uma coordenação coletiva com participação de dois membros de cada comunidade. Através dessa Articulação, as comunidades realizam mobilizações, reuniões com órgãos públicos e negociam coletivamente as pautas dos grupos envolvidos.
Figura 3 Articulação Camponesa, formação 2016 e mobilização 2018
Fonte: Antônia Laudeci Morais
O papel e desafio da Articulação Camponesa é manter a animação, organização e formação política das comunidades que estão na luta pela terra. Assim, as comunidades em conjunto, têm conseguido pressionar e cobrar dos órgãos públicos como INCRA e Terra Legal para que cumpram com a obrigação constitucional, que é dar andamento aos processos de criação de novos assentamentos e regularização fundiária.
Através da organização coletiva, as famílias têm conseguido apoio dos procuradores do Ministério Público Federal (MPF) e do Núcleo da Defensoria Pública Agrária para acompanhar os processos judiciais juntamente com a assessoria jurídica da Pastoral da Terra. Nessa luta, a comunidade Serrinha, assim como as demais comunidades ocupantes, se solidariza e se mobiliza em conjunto com as famílias que compõe o Movimento dos Trabalhadores Sem Terra do Tocantins (MST).
[1] “O IPEA define a condição de pobreza extrema quando o rendimento médio mensal per capita for de até um quarto do salário mínimo; pobreza absoluta quando o rendimento médio mensal per capita for de até meio salário mínimo e de pobreza quando o rendimento médio mensal per capita for até um salário mínimo” (SEPLAN, 2017).
[2] O IDH do município de Barra do Ouro é considerado médio a nível de Tocantins, assim como o do Estado 0,699, é considerado médio a nível de Brasil (0,759). Mas vale ressaltar, que o IDH -M/Renda de Barra do Ouro é 0,557 e o IDH -M/ Educação é 0,517e somente o IDH-M/ Longevidade que é de 0,760 (SEPLAN, 2017).
[3] Disponível em: https://www.google.com.br/maps/@-7.780882, 47.7122189,46499m/data=!3m1!1e3. Coordenadas geográfica da Comunidade Serrinha: -7.765562 -47.68866.
[4] Matérias publicadas sobre fraudes dos cartórios: <http://g1.globo.com/to/tocantins/noticia/2015/07/sete-sao-presos-no-tocantins-por-fraude-em-escrituras-de-terras.html; https://conexaoto.com.br/2016/12/15/mpe-denuncia-quadrilha-acusada-de-falsificar-titulos-de-propriedades-rurais-no-sudeste-do-tocantins>.
[5] Em abril de 2016, TCU – Tribunal de Conta da União paralisou todos os processos de desapropriação de terra no Brasil, após encontrar várias irregularidades nas áreas de assentamento (beneficiários que não tinha perfil de cliente da reforma agrária) e no próprio INCRA.