A comunidade quilombola do Remanso está localizada dentro da APA – Marimbus/Iraquara[1] ao lado do Parque Nacional da Chapada Diamantina[2], no município de Lençóis, interior da Bahia. A comunidade atualmente conta com 60 famílias em uma área de 300 tarefas. Localização georrefencial -12.664022 -41.333047
Mapa do Parque Nacional da Chapada Diamantina com a APA Marimbus Iraquara: https://blogs.gazetaonline.com.br/porondeandei/677/vale-do-capao-tranquilidade-e-paz/
CLASSIFICAÇÃO DO CASO
Os moradores da comunidade de Remanso são descendentes da família de Seu Manoel Pereira da Silva, antigo habitante na fazenda do Limão, município de Andaraí. As famílias viviam nas proximidades dessa fazenda (Limão) em um método denominado ‘sistema de morada’, muito comum no Nordeste, que substituiu o sistema escravagista”. Nesse tipo de sistema, o “proprietário” concede um espaço de moradia para a família, com direito de pequenas roças e, como contrapartida, os novos moradores dão sua força de trabalho não remunerada ao dono da terra. Muitas vezes o gado do latifundiário comia as roças dos moradores, antes da colheita. Delvan a firma que: “não tinha curral nem pasto cercado, o gado do fazendeiro vivia solto. Esse método de criação não ajustava com o modo de produção das comunidades. O vaqueiro necessitava de todas as peças de vestimenta de couro, para proteger de espinhos quando tinha que ir atrás dos animais na mata fechada”. Esses costumes fazem parte da tradição da região, mesmo assim os posseiros sempre perdiam a produção, pois o gado muitas vezes foi usado para enxotar as famílias dos seus territórios. Seu Manoel muda para o outro lado do rio, município de Lençóis, para se casar, e com isso, começa a trazer outros membros da família, estabelecendo a comunidade de Remanso. Essa comunidade tem uma grande extensão de área alagada denominada de Marimbus, território pantanoso, alagado, semelhante ao pantanal com biodiversidade, fauna e flora específica. Grande parte das famílias chegaram ao local na seca que assolou o Nordeste, por volta de 1940. Esse cálculo parte da geração de seu Manoelzinho, mas já existia outra descendência anterior, ligada a família de sua esposa.
Os remanescentes de quilombos, ao longo dos anos, foram constituindo laços de parentesco e vizinhança e formando a comunidade. A marujada por exemplo, hoje incorporada na cultura popular da comunidade, tem relatos de apresentações de 1937, antes da chegada de Seu Manoelzinho.
Durante esse tempo as famílias foram desenvolvendo diversas atividades produtivas e, por um período o garimpo passa a ser muito importante para a economia do município de Lençóis, mas devido aos estragos ambientais surge uma mobilização em torno da preservação e, com isso, foi criado o Parque Nacional da Chapada Diamantina.
O Parque Nacional da Chapada Diamantina foi criado em 1985, através do Decreto Nacional n?91.655. Como os Parques Nacionais[3] tem como objetivo a preservação de ecossistemas naturais de grande relevância ecológica e beleza cênica, a realização de pesquisas científicas e atividades de educação e interpretação ambiental, recreação em e turismo ecológico. Com a Regulamentação do art. 225, § 1o, incisos I, II, III e VII da Constituição Federal, institui o Sistema Nacional de Unidades de Conservação da Natureza e dá outras providências Através do SNUC - SISTEMA NACIONAL DE UNIDADES DE CONSERVAÇÃO LEI No 9.985, DE 18 DE JULHO DE 2000.
A comunidade, que vive na Zona de Amortecimento e utilizavam parte do Zoneamento do Parque fica submetidas às normas e restrições estabelecidas no Plano de Manejo da unidade e às normas estabelecidas pelo órgão responsável por sua administração, regulamentados pelo Plano de Manejo[4]. Esse conflito restringe o território utilizado pela comunidade e ameaça a autonomia e os Direitos Costumeiros da comunidade - conjunto de normas de conduta social, criadas espontaneamente pelo povo [...]" (Nader, p. 156).
Lago de Remanso (espaço de lazer e pesca)
Foto: Claudio Dourado
Em Remanso, os moradores que viviam em sistema de posse[5] chegaram a ser ameaçados pelos capangas armados a mando do fazendeiro, mas a comunidade resistiu e, em 1991, recebeu a doação de uma área de 130, 43 hectares, por parte de uns herdeiros, onde a comunidade estava estabelecida. A doação foi estabilizada em nome Sociedade Beneficente dos Pescadores do Remanso, fundada em 24 de janeiro de 1959. Segundo moradores a área doada é bem menos do que a comunidade tem direito.
Remanso sempre se destacou na interação harmoniosa com a natureza, tirando seu sustento das roças, onde cultiva cereais e plantas medicinais, pesca, apicultura, extrativismo e turismo. A economia da comunidade depende dos rios Santo Antônio, Roncador e Utinga que se encontram e formam os Marimbus, nessa área as famílias quilombolas plantam, nos períodos de vazante agricultura de subsistência como banana, mandioca, feijão, abóbora, quiabo e extrai o azeite de dendê e mel.
Áreas de cultivo
Foto: Claudio Dourado
O turismo industrial chegou a ameaçar os modos de vida dos moradores, no final da década de 1990, chegando ao seu auge em 1998. A APA Marimbus/Iraquara, foi criada em 14 de junho de 1993, mediante Decreto Estadual n° 2.216. Após a criação da APA os moradores, cerceado pelo Sistema Nacional de Unidades de Conservação da Natureza e pelo turismo industrial, foram obrigados a criar uma alternativa ao turismo. Esse projeto de turismo comunitário é conhecido como Trilha Griô de Remanso ou Trilha Griô do Quilombo apoiado pelo ponto de cultura Grãos de Luz e Griô, criado em 1998 e implantado na comunidade de 2003, com o objetivo de criar uma rede de economia solidária e turismo comunitário em comunidades tradicionais da região, envolvendo jovens e famílias de baixa renda, prioritariamente afrodescendentes e indígenas no município de Lençóis, para semear uma rede de educação, cultura oral e economia comunitária por meio do turismo na região em torno da missão e estratégias do Grãos de Luz e Griô.
Mapa mental das áreas reconhecidas pelos pescadores
Os roteiros das trilhas são visitações nas áreas alagadas do Pantanal e na cachoeira do Roncador, além de conviver o dia a dia da comunidade. Os visitantes aprendem fazer farinha, pescaria, artesanatos, bebidas típicas, remédios fitoterápicos, atividades culturais e educativas na Escola Municipal Therezinha Guerra de Athayde Macedo da comunidade.
Visitação na APA – Marimbus/Iraquara
Foto: Claudio Dourado
Visitação na cachoeira do Roncador – Parque Nacional da Chapada Diamantina.
Foto: Claudio Dourado
Apesar da luta característica e da resistência apresentada, diante da opressão e dos latifundiários, a comunidade só foi reconhecida oficialmente como comunidade quilombola em outubro de 2006, pouco mais de um ano após protocolar o pedido da Fundação Palmares. Três anos após o decreto 4887/2003. A comunidade ainda carece do Relatório Técnico de Identificação e Delimitação do Território, mas são umas das poucas comunidades que tem uma área regularizada em nome da Associação, logo após a atualização da Associação Beneficente dos Pescadores de Remanso para Associação Quilombola de Remanso, Lençóis – Ba.
Em 2011, tiveram acesso aos primeiros projetos como comunidade quilombolas, foram construídas 30 casas populares e cisterna de consumo humano, as outras 30 casas foram reconstruídas em mutirão pelos próprios moradores da comunidade.
Comunidade de Remanso
Foto: Claudio Dourado
A comunidade ficou isolada da sede do município por muito tempo, só depois da construção da estrada. A estrada foi feita pelos próprios moradores da comunidade, que ligava ao trecho do rio capivara, que tinha a medida para passagem apenas de animal montado ou uma pessoa. Essa era a única maneira da comunidade ter acesso a sede do município – lençóis, até a prefeitura abrir uma estrada que possibilitava a entrada de carro no remanso. Com isso, foi possível uma aproximação com os departamentos públicos e Conselhos Municipais, melhorando a participação popular e o acesso às políticas públicas, a exemplo da eletrificação rural.
Em 2013, a comunidade por meio de incentivos públicos retoma a agricultura tradicional. As famílias fortalecem a produção através do PRONAF, projetos de irrigação, melhoria da pesca e construção da casa de farinha. Todos os moradores foram cadastrados no Cadastro Único – programa social de cadastramento e a manutenção de informações atualizadas de todas as famílias brasileiras com renda per capita inferior a R$ 120. Com ampla variedade de informações sobre as condições de vida dessas famílias que podem ser utilizadas para a elaboração de diagnósticos e definição da política social. Após o cadastramento melhorou o acesso a saúde e ampliação da renda familiar.
[1] Área de Proteção Ambiental de Uso Sustentável, criada em 1993 - (Decreto - 2.216). Área 125.400 hectares. Vegetação predominante de Mata Atlântica, com abrangência de cinco municípios: Lençóis, Palmeiras, Iraquara, Andaraí e Seabra; gerida pela Secretaria de Meio Ambiente do Estado da Bahia.
[2] O Parque Nacional da Chapada Diamantina (PNCD) ocupa cerca de 152 mil hectares, um dos maiores parques de preservação do país fora da região Amazônica. Criado em 1985, através do Decreto Nacional n?91.655, com o objetivo de preservar as belezas cênicas; a conservação das suas nascentes da bacia hidrográfica do Rio Paraguaçu; resguardar um banco genético importantíssimo para a pesquisa científica e conservação da biodiversidade. O PNCD é administrado pelo Instituto Chico Mendes de Conservação Ambiental (ICMBio), uma autarquia ligada ao Ministério do Meio Ambiente, que trabalha exclusivamente em prol das áreas de preservação. O parque se estende pelos municípios de Andaraí, Ibicoara, Iramaia, Itaetê, Lençóis, Mucugê e Palmeiras.
[3] BRASIL 2000. Lei Federal Nº 9.985 de 18/07/2000. Regulamenta o artigo 225 da Constituição Federal e institui o Sistema Nacional de Unidades de Conservação e outras providências.
[4] https://uc.socioambiental.org/uc/584942
[5] O Código Civil de 2002, art. 1.196. Considera-se possuidor todo aquele que tem de fato o exercício, pleno ou não, de algum dos poderes inerentes à propriedade. (BRASIL, 2002)