A comunidade de Remanso é formada por camponeses de matriz africana e indígena, desenvolvem uma afinidade de práticas produtivas e extrativistas, a depender dos ciclos de chuvas e conhecimentos populares. Entre as práticas mais comuns estão o extrativismo do dendê e do buriti que são abundantes na região. E ainda pescam para o próprio consumo e comercialização.
Cultuam uma religião própria da Chapada Diamantina, o Jarê, baseada na cura. A cura se dá por meio dos conhecimentos das ervas e das incorporações, ou seja, os “encantados”. O Jarê é uma mistura do catolicismo, candomblé e xamanismo nativo, baseado na crença dos espíritos da Chapada. Cultua alguns orixás do candomblé, guias espirituais ligados aos caboclos e santos católicos.
A comunidade é morada do Orixá Nanã Boroko e da mãe d’água (Francischete da Costa, 2015). Segundo Delvan “seu Manoelzinho tinha como guia espiritual o marinheiro, que era pra quem ele soltava a barquinha e pra mãe d’água”. Seu Manoelzinho entregava uma barca repleta de perfumes, pentes, laços e fitas com oferendas a santa Barbara, no dia 04 de dezembro. Atualmente, destaca-se na comunidade os festejos de Cosme e Damião e Santa Bárbara.
Além do Jarê, a comunidade festeja a Marujada, também conhecida como Fandango, folguedo típico das regiões Nordeste e Norte do Brasil. A Marujada é considerada uma importante representação cultural, de caráter popular. Participam homens com instrumentos musicais, mulheres com danças e encenações e as crianças nas encenações. A Marujada surgiu em Portugal, como comemoração no contexto das conquistas e descobrimentos marítimos dos séculos XVI e XVII. Chegou ao Brasil com algumas modificações e adaptações culturais. Retratam as descobertas marítimas e a difícil vida dos marinheiros. Em Lençóis, tem-se registro do mestre Ceciliano, em torno de 1949, influenciando a cultura local. Mas, segundo relatos a marujada é bem mais antiga, remonta a 1937. Na comunidade de remanso, seu Manoel Pereira da Silva ‘‘o Manezinho do Remanso’’, levavam os mais velhos da comunidade para aprender na cidade. Nesta época, o mestre era João Pereira, primo de Manezinho. O lugar de ração na manifestação era ocupado por Aurino Pereira, única criança do grupo. Hoje, Aurino é o Mestre da Marujada Quilombola do Remanso que estava adormecida e foi acordada pelos projetos pedagógicos da escola no quilombo com as professoras Valdirene e Lia.
Foto reprodução: http://trilhagriochapada.org.br/marujada-do-remanso/
As manifestações culturais dessa região são variadas e ricas. Com destaque a religião do Jarê, reisados, sambas de roda, marujada, Baianas da lavagem e a festa do índio no remanso.
Os antigos moradores da região eram posseiros da mesma propriedade – proximidades da Fazenda do Limão. No perímetro do município de Andaraí. Com o tempo para se livrar das cobranças do foro e percentual da produção, pelo suposto proprietário, as famílias foram migrando para áreas não ocupadas mais próximo dos rios e lagos, formando comunidades livres de Pau de Colher, Fazenda Velha e Remanso. Todas no entorno do Pantanal e com traços de parentesco, mas só Remanso que atravessa o lago e se instala no município de Lençóis. Atualmente todas essas comunidades são reconhecidas como quilombolas - Pau de Colher e Fazenda Velha em Andaraí e, Remanso e Iúna em Lençóis.
Essa região teve eu auge econômico em meados de 1800 atrelada a mineração. Mas durante o século XX, a região sofreu sucessivas crises econômicas e se tornou palco de disputas entre as elites locais – os coronéis. O coronelismo tem consequências políticas e culturais até hoje, os camponeses muitas vezes tinham que lutar para defender o Estado paralelo criado em Lençóis. Essas práticas de servidão desenvolveram na mentalidade dos camponeses uma espécie de gratidão, quem mantem vivos os processos hierárquicos na política e concentração das terras. Em 1980 a exploração retomou sua forma com técnicas mecanizadas, passando a ser questionada por ambientalistas, até que em 1985 foi decretado o Parque Nacional da Chapada Diamantina (decreto 91655), área de 152 mil hectares. O Parque foi criado, principalmente, para evitar a intensa degradação provocada pela mineração, mas afetou o modo de vida das comunidades dentro e no entorno do Zoneamento do Parque Nacional da Chapada Diamantina. Comunidades quilombolas continuam com seus territórios indefinidos. Remanso é uma dessas comunidades.
Com a criação da APA – Marimbus/Iraquara a comunidade passa a ter uma área de proteção garantida, já que permite um grau de ocupação humana, dotada de atributos abióticos, bióticos, estéticos ou culturais especialmente importantes para a qualidade de vida e o bem-estar das populações humanas, e tem como objetivos básicos proteger a diversidade biológica, disciplinar o processo de ocupação e assegurar a sustentabilidade do uso dos recursos naturais. São estabelecidas normas e restrições para a utilização da Área de Proteção Ambiental e criação de um conselho presidido pelo órgão responsável por sua administração e constituído por representantes dos órgãos públicos, de organizações da sociedade civil e da população residente, conforme se dispuser em regulamento.
Esse modelo administrativo das Áreas de Conservações no Brasil entra em conflito com as práticas culturais das comunidades quilombolas. Remanso que sempre teve muita influência dos ancestrais e anciões na ocupação e administração do território, passa a ser regulamentados e gerenciados por autarquias Estaduais e Federal e conselhos representativos, muitas vezes descontextualizados do cotidiano da comunidade.
A comunidade tem acesso ao título de propriedade de uma área de aproximadamente 300 tarefas de terras em nome da Associação, feita aparentemente de modo regular (não fica evidente a origem da propriedade, mas a certa altura se fala em registro no cartório de registro de imóveis de lençóis, o que indica que se trata de área particular mesmo). Cabe a Associação conclui a transmissão da área, averbando essa escritura no cartório de registro de imóveis de lençóis (isso pode já ter acontecido).
Esse título não inviabiliza o RTID – Relatório Técnico de Identificação e Delimitação do Território. A comunidade se sente prejudicada, primeiramente por estar pressionada entre fazendeiros e Áreas de Preservação, mas também pela falta de autonomia comunitária diante das políticas públicas. As burocracias custam em resolver a situação das comunidades envolvidas e a delimitação dos respectivos territórios.
A comunidade conta com um sistema rústico de abastecimento de água, e estão implantando um sistema de tratamento para evitar o alto índice de doenças relacionadas a água. Em 2011 a comunidade foi beneficiada com as políticas públicas de casas populares e cisterna para o consumo humano para metade das famílias.
O posto de saúde da comunidade foi construído a mais de 30 anos, mas nuca funcionou. Tem-se, também, um prédio escolar que funciona três turnos com alunos que vão desde a educação infantil, fundamental I e II, a educação de jovens e adultos - EJA. A escola tem um bom envolvimento com o dia a dia da comunidade, tanto nas atividades educativas como socioculturais e ambientais. Nessa parceria a escola está lutando para garantir o currículo quilombola e aproximar mais da realidade das famílias. Após a implantação do turismo comunitário as crianças passam a receber uma atenção especial na valorização dos costumes da comunidade e, consequentemente, aprimorando a auto estima de toda comunidade. Na comunidade tem uma turma de capoeira com mais de 40 alunos. Nos últimos anos a comunidade foi beneficiada com eletrificação rural, sistema de comunicação tele móvel e de internet.
A comunidade tem uma prática de associativismo no entorno da pesca desde 1959. Mesmo com o Estatuto regulamentado pela democracia típica da Legislação Ocidental, o presidente da Associação é um grande líder (dirigente) de onde tudo se espera, fruto dos direitos costumeiros estabelecidos pelas comunidades quilombolas ao longo dos anos – democracia comunitária.
Vivência de campo entre Delvan, morador da comunidade, secretário da Associação Quilombola de Remanso, vice coordenador do CEAQ e suplemente da CONAC, com pescadores da comunidade – situação da agua em Marimbus.
A comunidade é constituída por fortes laços de parentesco. Com isso, todas atividades são desenvolvidas através do uso comum do território, realizam mutirões na construção das casas, atividades agrícolas e extrativismo, as festividades têm seus responsáveis nas respectivas datas especiais e o turismo comunitário é organizado por afinidades: guias, produtores rurais, culinária, atividades culturais e educativas.