A IDENTIDADE TERRITORIAL DA COMUNIDADE URUÇU
A comunidade Uruçu é constituída por 180 famílias camponesas. As propriedades possuem um tamanho médio de 07 hectares e, em sua grande parte, foram adquiridas por herança. Gilvan Cintra, dirigente da Associação, lembra que “sempre viajava pra São Paulo, mas a partir de 2002, quando ele comprou seu primeiro pedaço de terra, nunca mais precisou viajar”. Em 2003 e 2008 ele comprou mais terras, complementando seu terreno. Hoje são em média 18 hectares, medidas pela CDA – Coordenação de Desenvolvimento Agrário e à espera da regularização[1].
A economia da comunidade por muitos anos girou em torno da criação bovina e da agricultura de subsistência, durante esse período a população viu o rio Jacuípe perenizar, diminuir a biodiversidade e, consequentemente, as mudanças nos ciclos pluviais afetando a economia da comunidade.
Foto: Claudio Dourado
Atualmente, a comunidade de Uruçu passa por uma mudança estratégica a partir da compreensão da convivência com o semiárido, adaptando-se de forma inteligente e interferindo no meio ambiente com o devido respeito às leis do ecossistema que, embora frágil, tem riquezas surpreendentes. O segredo da convivência com o Semiárido passa pela produção e estocagem dos bens em tempos chuvosos para se viver adequadamente em tempos sem chuva. O principal bem a ser estocado é a própria água. (Malvezzi, 2007, p. 12)
Com isso, a comunidade passa por uma transição, incluindo a produção de frutas, beneficiando e agregando valor como forma de incremento a produção local e ao extrativismo, através do trabalho comunitário. Já foram construídas a partir da ASA - Articulação do Semiárido, 200 cisternas de 16 m³ para o consumo humano, 30 cisternas de produção e 27 barreiros trincheiras para dessedentação animal. A Associação Comunitária do Uruçu e a organização a partir das CEBs - comunidades eclesiais de base influenciam para que a coletividades seja o grande protagonista desse processo.
CARACTERÍSTICAS DEMOGRÁFICAS E CULTURAIS DA POPULAÇÃO URUÇU
A comunidade Uruçu é constituída por famílias camponesas, com fortes laços de solidariedade e espiritualidade, sua religiosidade tem intensa influencia multicultural e pluriétnica, e estão organizados a partir das Comunidades Eclesiais de Base (CEBs) e do Associativismo. A Associação Comunitária do Uruçu foi criada em 1986, umas das primeiras na região, e sempre esteve à frente das atividades socioeconômicas, culturais e ambientais da comunidade. As atividades sempre são feitas em mutirão - prática de solidariedade entre as famílias da comunidade.
Foto: Agmar Rios
Essa organização contribuiu para que a comunidade sempre tivesse espaços de diálogo, celebrações, procissões, reflexões, cantigas de roda, sambas, reisado, festejos de São José (padroeiro), procissões e mutirões[2]. O grupo comunitário começou a interagir com a ACR – Animação Católica no Meio Rural[3]. Com isso, a comunidade começou se preocupar mais com a organização social e a interação com a natureza e, também, com as políticas públicas, conquistas socioeconômicas, participação direta, dentre outras instâncias democráticas, a partir da vivência de fé e vida, corrente do pensamento capaz de interpretar os ensinamentos de Jesus Cristo como fonte libertadora das injustas condições sociais, políticas e econômicas do local.
Receitas com a matéria prima: o Licuri.
Foto: Claudio Dourado
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A partir de 2013, foram construídas cisternas para o consumo humano, barreiros trincheiras e cisterna de produção[4]. Atualmente, nessa mesma linha, a comunidade está executando um projeto de processamento e beneficiamento do licuri[5] e produção de polpas de frutas nativas. Com essas atividades econômicas a comunidade tem valorizado mais os recursos naturais e interferindo na culinária local dando mérito a valorização da cultura, dos saberes e sabores locais.
Dois fatores tornaram possível a permanência dessas famílias na comunidade: primeiro o acesso a terra por herança e/ou compra e segundo, a convivência com o semiárido acompanhada por todas as políticas públicas de armazenamento de água e processamentos de alimentos, tanto para as pessoas quanto para os animais.
As famílias sempre tiveram o licuri como fonte de renda. Mas, com a infraestrutura na produção dos seus derivados e o reforço da identidade cultural a partir da Festa do Licuri, tornando-se um espaço de atividades educativas, sociais, culturais, debates e discussões em seus aspectos político e manutenção do equilíbrio ecológico. A comunidade passa a ser destaque na região, conseguindo harmonizar as relações sociais, ambientais e econômicas, garantindo a sustentabilidade.
Fotos: Agmar Rios
Na Festa do Licuri além das atividades educativas e culturais, realizam palestras, exposição, arte culinária, músicas, samba, samba de roda, chula, danças, poesias, concursos dentre outras. Tudo sob a responsabilidade da Associação Comunitária de Uruçu, mas dentro do calendário municipal de Mairi.
Além da Festa do Licuri, a comunidade realiza a Festa do Padroeiro - São José e mais dois festejos; as festas Juninas, com quadrilhas, muita comida típica da época e muita dança (arrasta-pé) e o festejo Natalino, onde todos os moradores se juntam e cada família traz uma bandeja para ser partilhada na Ceia do Natal, a união prevalece sempre.
Foto: Arquivo da Associação Comunitária do Uruçu.
A comunidade dispõe também de um Posto de Saúde, no qual acontecem consultas médicas a cada 15 dias, há também distribuição de remédios, vacinas e coletas de sangue. No quesito Educação, a comunidade sempre foi exemplo para o município, por ser muito bem organizada e envolvida com o dia a dia da comunidade, trabalhava com alunos de 1ª a 4ª série, com o passar dos anos o número de alunos foram diminuindo e a escola foi fechada, os alunos remanejados para o distrito de Angico, por não cumprir a meta de 25 alunos exigida pelo governo do Estado para que uma escola possa permanecer funcionando.
As famílias executam trabalhos de caráter familiar nas residências, quintais, roçados e criações e ações coletivas no extrativismo e processamento de frutas para produção de polpas, na coleta e beneficiamento do licuri para fabricação de óleo, ração e artesanato; também fazem mutirões nas propriedades e para a melhoria das infraestruturas da comunidade.
[1]Dada a situação fundiária do País, cabe ao Estado identificar e reconhecer as posses legítimas manifestadas através de cultura efetiva e morada habitual e definir como propriedade - direito real de domínio, em todas as suas relações, inclusive usar, gozar e dispor.
[2]Palavra de origem Tupi que significa reunião de membros de uma comunidade para o auxílio mutuo gratuito no cumprimento de determinada tarefa. Prática muito comum nas comunidades camponesas. Uma prática de solidariedade comum entre os moradores, todas as atividades da Associação são praticadas entre os sócios, chamam-se de adjutório. Também conhecido de Boi Roubado – os trabalhadores chegavam de surpresa na madrugada para limpar a roça, despertavam o proprietário com fogos e músicas, o dono da roça tinha a obrigação de retribuir com a comida, matavam criações para alimentar todos os trabalhadores. Tinha sempre um líder para organizar essa prática econômica ligada à tradição (músicas e bebidas).
[3]Tinha por objetivo sensibilizar os cristãos a assumirem, a partir da análise da realidade, seu compromisso com os valores do Evangelho em suas vidas concretas, engajando-se nas comunidades, movimentos e sindicatos rurais. Foi um movimento atuante até os anos 2000.
[4]ASA é uma rede formada por organizações de todo semiárido, que defende, propaga e põe em prática, inclusive através de políticas públicas, o projeto político da convivência com o Semiárido. A ASA Brasil congrega mais de 3000 organizações da sociedade civil brasileira. O surgimento da ASA está diretamente relacionado ao processo de mobilização e fortalecimento da sociedade civil no início da década de 1990. Sua atuação abrange principalmente o Programa Um Milhão de Cisternas – P1MC, Programa uma Terra e Duas Águas – P1+2, o Programa Cisternas nas escolas e Sementes no Semiárido.
[5]Licuri é uma palmeira nativa da região semiárida, predominante nessa região, o fruto é rico em ferro, cálcio, cobre, magnésio, zinco, manganês, sais minerais e betacaroteno.