A origem das comunidades de Fundo de Pasto do Baixio do São Francisco
Essas comunidades tradicionais se desenvolveram no Semiárido nordestino na época do Brasil Colônia. São territórios tradicionais constituídos e ocupados por camponeses, famílias interligadas por laços de sangue ou de compadrio, com certo grau de parentesco, há mais de duzentos anos, exceto aquelas formadas por famílias expulsas com a construção da barragem de Sobradinho[1], que também se identificam como Fundos de Pasto, como é o caso da Comunidade Nova Vereda, em Itaguaçu da Bahia.
Esses camponeses historicamente utilizam este território tradicional como sistema de ocupação coletiva de terras, chamadas de “soltas” com formas de expressão, modos de criar, viver e fazer próprios, em que a gestão da terra e de outros recursos naturais associa terrenos familiares e áreas de uso comum, onde se criam de forma extensiva em pastagem nativa.
É comum entre as comunidades uma diversidade pluriétnica e multicultural, praticam a criação de ovelha, gado e cabra na área de caatinga (solta). Em uma pesquisa preliminar consta que em apenas 09 comunidades do município de Xique-Xique tem 7.485 cabeças de bovinos, 372 caprinos, 1.513 ovinos e 286 equinos e nas 09 comunidades do Município de Itaguaçu da Bahia, 1.791 bovinos, 3.818 caprinos, 1.692 ovinos e 210 equinos, cultivam também milho, feijão, mandioca, dentre outras culturas, nas pequenas áreas de sequeiro, bem como a pesca artesanal no rio São Francisco, o que garante a subsistência das famílias.
Criação de caprino de uma das famílias depois que busca da área de caatinga.
Fonte: (CRUZ, 2016)
Pesca artesanal no rio São Francisco: atividade comum entre as comunidades ribeirinhas
Fonte: (CRUZ, 2016)
O modo de vida das famílias dessas comunidades tradicionais foi consecutivamente entrelaçado com a relação de compadrio, das rezas, festas juninas, de padroeiros, reisados, samba de roda, batuque, troca de dias de serviços, como na feita da farinha, em que as famílias se juntam para raspar a mandioca, tirar a tapioca e fazer a farinha. Ainda hoje existe a rotatividade de ajuda entre os moradores.
Mesmo com essas características próprias, só foram reconhecidas como comunidades tradicionais de Fundos de Pasto depois que tomaram conhecimento da Lei do Estado da Bahia 12.910/2013. Por meio desta lei, o Estado da Bahia assegurou a essas comunidades tradicionais a “Certificação de Fundos de Pasto”.
Em maio de 2015 representantes das comunidades impactadas organizam a construção de variantes de seus respectivos territórios. Variantes são aberturas que se faz na caatinga entre os limites das fazendas e os territórios das comunidades. Para a construção destas variantes, os camponeses/as realizaram vários mutirões que serviu para fortalecer a unidade das comunidades em defesa de seus territórios.
Para a Articulação de Fundos e Fechos de Pasto, esses territórios, hoje fazem parte do patrimônio cultural do povo brasileiro como comunidades tradicionais típicas das regiões de caatinga. Mesmo sendo comum em todo Nordeste apenas o Estado da Bahia reconhece de fato como comunidade tradicional.
As comunidades de fundo de pasto integram um conjunto de forças sociais e políticas que visam instituir um novo paradigma e olhar sobre o contexto regional, a “convivência com o semiárido”. A tradição de uso comum da área de caatinga pelas famílias que habitam este território possibilita uma relação de cuidado e preservação da caatinga. Este bioma conservado garantiu e vem garantindo a subsistência das famílias. As comunidades vêm lutando pela conservação da caatinga para garantir a subsistência das presentes e futuras gerações.
[1] Obra (barragem e a hidrelétrica) construída pela Companhia Hidrelétrica do São Francisco - CHESF que expulsaram 72 mil pessoas, sendo 2/3 camponeses. A criação do Lago de Sobradinho possibilitou a idealização de outro projeto econômico, a implantação de perímetros públicos de irrigação agrícola pela Comissão do Vale do São Francisco - CODEVASF. O chamado projeto Baixio de Irecê.