Contexto histórico da ocupação do Contestado
A segunda metade da década de 1990 no Brasil foi marcada pela recessão e o desemprego, submetido a um governo neoliberal, sob a presidência de Fernando Henrique Cardoso. O ano de 1998 registrou a perda de emprego para mais de 1 milhão de brasileiros, chegando a quase 7 milhões de desempregados, 9% da população economicamente ativa, segundo dados oficiais[1].
Muitos dos desempregados de nossas cidades são fruto de um movimento de êxodo rural, dadas as condições estruturais de miséria e violência no campo brasileiro causadas pela concentração da terra nas mãos de poderosos latifundiários, sobretudo os anos 1950 e, depois, nos anos 1970 (“Milagre Econômico”) se intensificou com a modernização da agricultura - quando a oferta de emprego nas cidades era um sonho a ser conquistado. Entretanto, o sonho não se realiza e, com a falta de expectativa, muitos são obrigados a buscar a vida rural novamente como alternativa. O movimento de retorno ao campo ganhou força, constituindo o chamado “exército de sem-terras”, que o latifúndio produz continuamente no campo brasileiro.
Os movimentos sociais rurais, de uma maneira geral, mas em especial o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), se organizam nesse processo e se estruturam. A partir de sua fundação em 1984, o MST se apresenta como principal movimento social rural do campo brasileiro na década de 1990.
A confluência de um clima de conflito causado pela violência no campo e o desemprego nas cidades e da atuação organizada dos movimentos sociais no campo marcaram esse período como o período com maior ocorrência de ocupações de terras no campo brasileiro nas últimas décadas.
No Paraná o clima não era diferente com a ascensão das ocupações diante de um Governador, Sr. Jaime Lerner, herdeiro das posições ostensivas contra os Movimentos Sociais. Em seus dois mandatos de governo (1995-1998 e 1999-2002) foram registradas 516 prisões arbitrárias de sem-terras em conflitos por terra, além de 16 assassinatos no campo, segundo registros da Comissão Pastoral da Terra (CPT).
A estratégia dos movimentos sociais do campo foi de não recuar. Assim, em meio a muitas ocupações, surge a informação de uma terra em litígio. A propriedade que viria a se tornar o assentamento Contestado pertencia a uma empresa de cerâmicas (INCEPA), utilizada para manejo de eucalipto e pinus que eram utilizados para alimentar os fornos da indústria. Estava em curso um processo de desapropriação por uma dívida da empresa com os trabalhadores. Em 1999 ocupou-se o terreno e, já em 2000, foram assentadas as 108 famílias do Contestado.
Histórico de demandas e estratégias
Priscilla Monnerat, assentada do Contestado e militante do MST, anuncia os desafios da experiência do ELAA na atualidade. O principal deles é de ordem financeira. No Contestado, parte das atividades da ELAA é financiada pelo PRONERA ou pelos próprios movimentos sociais parceiros. Com pouco recurso, há muita dificuldade para desenvolver as atividades. Somam-se as dificuldades a própria dificuldade financeira dos jovens seguir estudando, pois é necessário o fornecimento de transporte, alimentação, hospedagem e a manutenção do curso. Além disso, é importante ressaltar que aqueles que organizam e executam as atividades são os militantes dos movimentos sociais, que contribuem para o processo de formação em agroecologia na ELAA.
A assentada, Priscilla explicita ainda a importância da ELAA no contexto nacional de
“ (...) ofensiva contra a reforma agrária, contra os movimentos sociais e contra agroecologia. O projeto do grande capital para o nosso país é do agronegócio, um projeto de morte, de destruição da natureza, de tirar os povos do campo, de desmatamento. Aqui a escola nada um pouco contra essa corrente, né. Faz um trabalho diferente (...)”
Portanto, a prática agroecológica no Assentamento Contestado significa as dimensões do Convívio, Cuidado e Alimentação. Significa uma estratégia territorial de Habitar a terra, diferente da agricultura convencional e do agronegócio, apontando para outros caminhos, populares e emancipadores. Tudo vinculado à educação dos assentados e assentadas.
Aprofundar a relação entre a sociedade e a natureza é um princípio na prática agroecológica. Pressupõe considerar desde o clima, o relevo e a diversidade ecológica às práticas sociais, culturais e espaciais dos agricultores. O Assentamento Contestado está localizado em região de Mata de Araucárias. O domínio é caracterizado pelo clima temperado, chuvas bem distribuídas e relevo pouco acidentado, condições muito favoráveis à agricultura convencional, prática predatória que degradou os solos da região. Os assentados do Contestado, vindos de diversas regiões, onde predominam condições distintas, reinventam suas práticas e são responsáveis por potencializar processos naturais que recriam as condições florestais, como é mencionado no documento “Agroflorestando o Mundo, de Facão a Trator”, produzido por camponeses do Contestado e do Assentamento Mário Lago no município de Ribeirão Preto no estado de São Paulo.
A agroecologia é uma estratégia territorial de habitar, de se defender. A prática da agroecologia no Contestado, no entanto, é repleta de desafios. Apesar de o movimento nacional de trabalhadores rurais sem terra discutir agroecologia há cerca de 20 anos essa prática ainda é considerada incipiente. A agroecologia no MST toma caráter político no congresso do movimento em 2000, quando foi lançado um manifesto atestando o compromisso com a vida, tornando a agroecologia uma definição política.
No Paraná, a partir da definição em congresso, a estratégia para efetivar a agroecologia foi a pautada no processo de formação política. De acordo com Priscila os camponeses, através da memória, têm muitas práticas que podem dialogar com a agroecologia. Isso porque, antes da revolução verde, a agricultura era a cultura de produzir alimentos, de sobreviver da terra.
“(...) tem muita gente nos assentamentos que continua essa cultura. Mas esse nome que foi dado, né, agroecologia, assustou um pouco as pessoas, por parecer que era uma coisa nova. Ela é nova em parte, mas também é um resgate da cultura antiga. Então o grande desafio pra gente é entender melhor o que é agroecologia, entender melhor e construir conhecimentos na agroecologia, resgatando essa cultura e trazendo inovações para essa cultura. Principalmente relacionado a política e técnica (...)”
Nesse sentido é que, no Paraná, a partir de 2000, começou uma discussão para criação de cursos, espaços de formação, formais e não formais, em agroecologia. Nos espaços formais foram criadas 5 escolas de agroecologia pelo Estado, sendo quatro delas escolas de formação técnica nível médio e a ELAA como a única escola de formação técnica nível superior.
Além dos cursos formais, são organizadas muitas oficinas, seminários e outras atividades que visam debater e refletir a agroecologia, como uma nova/velha forma de viver no campo. Uma dessas grandes iniciativas é a jornada de agroecologia, que acontece desde 2001 no Paraná. Segundo Priscila: “ Ela acontece todos os anos, é itinerante, vai mudando de local. Ela envolve pessoas aqui do Paraná, de outros estados e até de outros países. É um grande encontro das camponesas e camponeses pra estudar, pra trocar experiências, trocar sementes, fazer luta e a celebração da agroecologia. Então a jornada também é um grande acontecimento, uma grande construção nesse processo da agroecologia”.
Através da agroecologia o movimento foi amadurecendo o entendimento, até conceitual, da reforma agrária popular. O fundamento da reforma agrária popular mais importante é a ideia de democratização da terra, na qual a terra deve estar sobre controle social destinada a benefício de todo o povo brasileiro. Essa é a base da reforma agrária popular princípio que rege as ações do movimento e razão maior de sua existência e luta cotidiana. Outros temas indissociáveis e extremamente relevantes são aqueles vinculados ao uso dos bens comuns, dos bens da natureza e a ideia de não mercantilização dos bens da natureza, usando-a com cuidado em prol do povo brasileiro.
A questão das sementes também é outro fundamento no que se refere as ameaças que sofrem as sementes crioulas. Patrimônio da humanidade, as sementes devem ser cultivadas, protegidas e multiplicadas.
“(...) assegurar uma produção de alimentos saudáveis que não impactem o meio ambiente e uma produção de alimento em quantidade e qualidade pro povo brasileiro, visto que o agronegócio está mais focado na produção de produtos para exportação e não se preocupa muito com a questão da produção de alimentos e principalmente alimentos saudáveis. O Brasil é o maior consumidor de veneno do mundo. Então assegurar essa produção de alimentos saudáveis também é um dos pilares fundamentais da reforma agrária popular.” (Priscilla Monnerat)
Com a criação das escolas/ centros de formação, a formação em agroecologia surge como um dos caminhos possíveis nesse sentido.
“(...) a primeira coisa é garantir a democratização da terra, sem a terra a gente não consegue fazer agroecologia.” (Priscilla Monnerat)
Assinala, ainda, que também é necessária a implementação de políticas públicas voltadas para a organização da produção agrícola, a produção de alimentos saudáveis para o povo brasileiro. Ressalta a importância da garantia dos direitos sociais, das condições de vida para todos. Dessa possibilidade de viver no campo e ter toda sua infraestrutura necessária essa vida no campo, garantir a questão da educação a questão da cultura e todos os direitos sociais relacionados.
Dessa maneira, a Agroecologia se coloca também como estratégia territorial e é transversal à disputa que, se levada às últimas consequências, é disputa pela vida, assim está registrado na Carta da 15ª Jornada de Agroecologia, realizada no Assentamento Contestado em Julho de 2016:
“A agroecologia não é mera técnica, é uma relação de cuidado com a nossa Casa Comum que é a Terra. Lutamos pela agroecologia como forma de superação das crises econômica, política, social e ambiental, sobretudo pela transformação da sociedade.”
[1] Fonte: https://www1.folha.uol.com.br/fsp/dinheiro/fi0112199926.htm - Acesso em 19/09/2018