A forma de se pensar os avanços na gestão da terra do caso de Casa Nova se dá pela manutenção dos seus modos de reprodução socioeconômica. Ou seja, não se configura em uma nova forma de gestão em si, mas no fortalecimento dos laços de outrora. Não obstante, no que se refere ao processo de cooperação e a criação de novos laços de sociabilidade entre os membros da comunidade encontramos grandes transformações.
A instauração de um conflito com a chegada de um projeto hidrelétrico é um evento que modifica rotinas dentro de uma comunidade rural. O ambiente de outrora é tomado por incertezas e por ter que lidar com situações nunca antes pensadas. Contudo, esta mudança de rotina se aguça quando os atingidos optam por se organizar em redes associativas de resistência. Os finais de tarde que antes eram tomados pelo descanso, agora dão lugar as reuniões; as vezes é preciso deixar a casa e entrar dentro de uma lona de acampamento; a ida a cidade que antes era apenas para resolver assuntos corriqueiros se torna mais frequente; dentre outras pequenas mudanças que ocorrem. A estas mudanças damos o nome de rotinas coletivas.
As rotinas coletivas consistem na entrada de sujeitos em uma rede de relações onde todas as práticas se darão em nome de um grupo que possui identidade mais ou menos comum. Isso permite entender como que estes atores passam da categoria de agricultores, ribeirinhos, trabalhadores rurais, etc., para categoria de atingidos. Este papel de atingido será exercido em tempo parcial dentro de uma vida pública que está em concomitância com o fortalecimento das estruturas de mobilizações formadas. A vida privada continua e em tempos em que o conflito esteja latente ela “toma as rédeas”. Em algumas falas é possível perceber evidências sobre a entrada dos agricultores em rotinas coletivas.
OIá, ai era reunião atrás de reunião. Meu marido nem gostava muito, porque eu saia pra reunião e ficava uns três dias no encontro do MAB. Aí ele se virava pra lá, comigo mesmo não queria ir (AM, moradora da comunidade de Casa Nova)
A gente que é liderança o MAB muda muito a gente. Tem que dar testemunho, tem muitas reuniões e aqui eu estou na frente do Grupo nosso. Aquele grupo que te falei. Eu já coloco minha sobrinha pra participar também. No Grupo é ela que escreve as atas sabe? Tipo uma relatoria... sabe como é? E quando vou nas reuniões levo ela também, ano passado mesmo nois foi. Foi bom, eu gosto (CA, morador da comunidade de Casa Nova)
Naquela época dos acampamentos nois não fazia comida em casa não. Todo mundo comia lá... juntava as mué tudo e fazia a comida (CAT, moradora da comunidade de Casa Nova)
Por esse lado foi até bom. Porque a comunidade era meio parada. Os que estão do lado de cá se uniu. Acho que os de lá também. Mas briga ainda tem. Isso sempre vai ter... (SAF, morador da comunidade de Casa Nova)
Contudo, o fato é que nos últimos anos após a desistência das investidas do empreendedor aconteceu uma desmobilização da comunidade de Casa Nova, que na ausência do conflito direto com o empreendedor houve uma acomodação no que se refere ao projeto de resistência. “Processos de mobilização por movimentos sociais de resistência não são lineares. As ações do adversário provocam reações e mobilização, enquanto a ausência de ações do adversário tende a contribuir para desmobilização, a não ser que o mesmo tome medidas para evitar esse processo” (DELEPOSTE e MAGNO, 2013, p.279).
Embora não haja mais um processo de resistência na comunidade foi possível verificar algumas heranças da estrutura de mobilização que se formou. Uma delas se refere às Hortas de Mandala, as quais ainda são possíveis encontrar em algumas propriedades. Estas hortas estão dentro do conjunto de práticas do MAB que além de ser uma tentativa de geração de renda para as comunidades é também uma ação contra o modelo de desenvolvimento econômico que predomina, sobretudo, no que se refere ao não uso de agrotóxicos. A outra se refere as festas que relembram as lutas da comunidade. Apesar de não ter acontecido em 2015 a comemoração pretendia de três em três anos reascender o projeto de resistência da comunidade. “Em agosto de 2009, se reforçou a memória coletiva contra as barragens, representada por meio de uma grande festa, de dois dias, em comemoração aos 15 anos das lutas de resistência em Casa Nova. E nos próximos anos, para o povo de Casa Nova, a luta continua” (DELEPOSTE e MAGNO, 2013, p. 278).